“Geração do quarto” é mais do que uma fase: é um grito por socorro

O isolamento dos jovens pode estar ligado a fatores emocionais ou a dificuldades no relacionamento familiar. Conheça histórias de superação desse drama

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“É só uma fase.” Muitos pais pensam isso quando se deparam com os filhos trancados no quarto. Mas esse isolamento, muitas vezes, não é só um período da vida deles. Recentemente, um estudo realizado pelo neuropsicólogo Hugo Monteiro Ferreira, professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco, revelou que 75% dos adolescentes entrevistados estavam com adoecimento emocional. O neuropsicólogo constatou sintomas como depressão em diferentes graus, bulimia, anorexia, síndrome do pânico, crise de ansiedade, uso abusivo de álcool e automutilação. Ele chamou esse grupo de “geração do quarto” porque a maioria tinha uma relação intensa com a internet, era solitária e, ao mesmo tempo, enfrentava dificuldades na relação familiar.

A psicóloga Aline Saramago esclarece por que a relação familiar interfere no comportamento dos filhos. “Muitas vezes, há atritos ou falta comunicação entre pais e filhos – estes, por conta do medo da rejeição, de não ser amado, de ser culpado pelos estresses, entre outros fatores, são atraídos para o quarto e pelos dispositivos eletrônicos. Os jogos, vídeos e estímulos chamam mais atenção do que o contato humano, inclusive por causa das dificuldades de lidar com as diferenças nas relações pessoais. Dessa forma, os jovens se isolam do que julgam que seja mais difícil.”

Os coordenadores do grupo Força Jovem Universal (FJU) no Brasil, Celso Junior e Nanda Bezerra, (foto abaixo) revelam que têm observado em seu trabalho que muitos jovens sofrem calados. “Nos últimos três meses, percorremos dez Estados do Brasil fazendo um trabalho intenso com os jovens e percebemos o quão preocupante é a situação. É uma geração que está sofrendo tanto os efeitos do uso excessivo da internet como da desestruturação familiar”, comenta Celso Junior.

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Desestruturação familiar
O estudante Leonan Alcântara Paixão, (foto abaixo) de 18 anos, fazia parte da “geração do quarto”. Ele conta que aos 12 anos entrou em depressão depois da separação dos pais e passou a se isolar para não ter que lidar com o sofrimento da mãe. “Me sentia muito sozinho e comecei a procurar escapes para a minha dor. Então, me trancava no quarto para jogar games. Era como se eu me desligasse dos problemas.”

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Na escola, Leonan também não encontrou apoio. “Sofria bullying por conta da cor da pele. Ficava calado, pois não sabia como reagir.

Comecei a ter crises de ansiedade e a comer muito. Cheguei a ficar obeso”, acrescenta. Além de jogar games todos os dias, ele também acessava material pornográfico. “Minha mãe estava sempre ocupada trabalhando, então eu não tinha medo de que alguém me pegasse assistindo aos vídeos. Aos 15 anos, estava viciado em games, comida e pornografia”, lamenta.

Ao observar o comportamento de Leonan na escola, uma colega de classe o convidou para um evento da FJU. “Eu tinha começado a fumar e a beber e ela conversou comigo e me chamou para o Nocaute às Drogas. Era um evento esportivo e sou apaixonado por lutas. No mesmo dia me inscrevi para fazer muay thai (um tipo de arte marcial)”, relata.

Ele afirma que, por meio do esporte, sua vida mudou. “Não foi apenas a luta. Na verdade, ela foi somente um meio para que eu conhecesse a fé. Essa fé que aprendi a ter na FJU me libertou da depressão e dos vícios. Hoje entendo que buscava preencher o vazio com coisas erradas. Por isso, hoje, meu propósito é ajudar outros jovens que sofrem como sofri um dia”, conclui.

O corte que dói na alma
Outra atitude muito comum que os adolescentes adotam é a automutilação. Psiquiatras alertam que grande parte dos pais nem sequer percebe que os filhos se cortam com canivetes, lâminas de barbear e até com apontadores de lápis.

A disseminação dessa prática na internet cresce mais a cada dia e foi por esse meio que a estudante Ana Luísa Klein Evangelista Monteiro,  (foto abaixo) de 18 anos, aprendeu a se cortar. “Aos 11 anos, me sentia muito sozinha e culpada pelas brigas que aconteciam em casa. Uma vez, vi na internet uma menina que dizia que fazia isso para se sentir melhor. Então, comecei a me trancar no quarto e pegar lâminas, facas e qualquer coisa cortante para me mutilar. Eu sentia alívio quando me cortava.”

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Assim que sua mãe descobriu o que ela estava fazendo, chorou muito e quis levá-la a um psiquiatra. Com vergonha e medo, Ana fugiu de casa. “Com 16 anos, saí do Espírito Santo e vim para São Paulo para morar na casa de um namorado. Só que o que estava ruim ficou pior: comecei a usar drogas e a passar necessidade financeira.”

Ao saber disso, a mãe de Ana a levou de volta à força. “Voltei a morar com ela e com a minha avó. Pouco tempo depois, uma vizinha, vendo meu sofrimento e de toda a família, nos falou de fé e aceitamos ir à Universal. Logo no primeiro dia me convidaram para conhecer a FJU. Nunca me senti tão abraçada e ali tive a oportunidade de reescrever minha história”, assegura.

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Hoje, as cicatrizes dos cortes servem para auxiliar outros jovens que sofrem. “Meu anseio é ajudar quem passa pelo mesmo que passei.

Digo aos jovens para que não se enganem nem acreditem que machucando a si mesmos resolverão o problema. Isso só ajuda a
aumentá-lo”, orienta.

Influências que podem levar à morte
Está comprovado que alguns conteúdos podem influenciar negativamente crianças e adolescentes em processo de desenvolvimento e se tornar um grande problema, principalmente quando lhes faltam limites e orientação familiar.

No caso da garçonete Thais Silva Lima, (foto abaixo) de 23 anos, as séries de TV e as músicas as motivaram a tentar o suicídio. “Minha mãe era depressiva e tomava remédios controlados. Então, aos 13 anos, também passei a sentir uma tristeza enorme. Me trancava no quarto para assistir séries pesadas e ouvir músicas tristes. Era como se precisasse delas para alimentar mais a minha tristeza.”

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Ela começou a frequentar salas de bate-papo com outros jovens deprimidos. “Lá, eles contavam seus planos para tirar a própria vida e, com o decorrer do tempo, o mesmo desejo nasceu em mim. Tentei cortar os pulsos, mas a dor foi tão grande que parei antes que o pior acontecesse”, diz.

Sem saber o que fazer para ajudar a filha, sua mãe decidiu interná-la em um hospital psiquiátrico. “Na clínica, tentei me matar outras vezes. Eu não via mais saída para a dor que eu sentia.”

Depois de voltar para casa, ainda se sentindo deprimida, Thais conheceu uma ação social da Universal que a ajudou. “Estava ocorrendo um trabalho social na minha rua e uma pessoa me falou que as palestras aconteciam todos os dias. Não conhecia a Igreja e decidi ir. Hoje venci todos os medos e traumas e estou curada da depressão, mas isso só aconteceu porque abri meu coração para conhecer a Deus.”

Tristeza que reflete na aparência
A estudante de enfermagem Laryssa Soares de Souza Barbosa, (foto abaixo) de 19 anos, conta que na infância era uma criança muito triste e depressiva.

“Aos 8 anos, depois de passar por abuso psicológico, quando uma vizinha me levou à casa dela e me mostrou material pornográfico, comecei a ter complexos em relação ao meu corpo. A relação com a minha família também começou a piorar. Me isolava no quarto sempre que discutia com alguém e meu refúgio passou a ser a masturbação.”

Laryssa também pesquisava como poderia emagrecer. “Me achava muito gorda e aprendi a vomitar depois das refeições. Fazia isso escondido dos meus pais e, com o passar do tempo, parei de comer e tive anorexia. No meu computador tinha uma pasta com fotos de celebridades esqueléticas porque eu queria ser como elas”, detalha. Laryssa conta que não dormiu uma noite inteira pesquisando sobre anorexia e bulimia. “Eu estava doente. No fundo, queria chamar atenção dos meus pais porque me sentia desprezada por eles”, diz.

Aos 18 anos, ela tentou o suicídio. “Tomei muitos remédios e desmaiei. Meus pais me socorreram e cheguei a ir a psicólogos, mas nada resolvia. Um dia uma moça me abordou no semáforo e me convidou para ir a uma palestra na Universal. Achei aquele encontro tão inusitado que aceitei. Lá tive uma nova chance de vida”, observa.

Hoje Laryssa faz parte da FJU. “Deus preencheu o vazio que existia em mim. Com a presença dEle, sou feliz de verdade e não preciso tentar provar nada ou usar uma máscara como antes. As pessoas notam minha transformação em todos lugares que vou, mas tudo começou quando decidi me perdoar e lutar”, admite.

Agressividade
Você deve ter acompanhado o caso do jovem Willian Augusto da Silva, de 20 anos, que sequestrou um ônibus na Ponte Rio-Niterói, no Rio de Janeiro, e fez 39 reféns no dia 20 de agosto. Ele morreu depois de ser baleado por um sniper (atirador de elite) da Polícia Militar.

Ao final da ação policial, o primo de Willian, Alexandre da Silva, consolou as vítimas e pediu desculpas a elas. Também disse à imprensa que seu primo tinha depressão, se isolava constantemente no quarto e passava muitas horas na internet.

Os especialistas afirmam que a violência é uma das consequências do comportamento dos integrantes da “geração do quarto”. Contudo a maioria é calada, reclusa e, em vez de entrar em escolas atirando, se suicida ou entra para a criminalidade.

O coordenador da Força Jovem Universal, Celso Junior, concorda com essa afirmação e diz que oberva durante seu trabalho missionário que muitos jovens se isolam e ficam deprimidos. “Nos deparamos com um número alarmante de jovens com depressão que se automutilam, pensam em suicídio e muitos até já tentaram fazer isso.”

Saindo do quarto
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão é uma das doenças que mais cresceram no Brasil nos últimos anos.

Por isso, pais ou responsáveis precisam ficar atentos. “Uma das coisas que mais ouvimos de jovens é que seus pais não lhes dão a atenção de que precisam. Sabemos que isso acontece por causa da correria que muitos vivem e pelo fato da vida profissional lhes tirar grande parte do tempo que poderia ser usada para conviver mais com os filhos. É importante equilibrar essa situação”, recomenda Celso Junior.

A psicóloga Aline Saramago concorda com Celso Junior e reforça que é preciso que a relação familiar seja de qualidade. “Quando não há atenção por parte dos pais, os filhos aprendem o amor de modo distorcido e buscam preencher o vazio com algo superficial ou mesmo nocivo. Por isso, é importante que o filho saiba que é amado e que sua presença é desejada”, diz.

Outro ponto essencial é investir na área espiritual. “A fé é o principal fator para a cura, o ponto inicial do processo de autovalorização. Mas falo da fé verdadeira, da fé inteligente que muitos não conhecem. Na FJU, ensinamos como viver e aplicar essa fé para que o jovem transforme completamente sua vida. Quando ele descobre a força que há dentro dele, substitui o pensamento de que não é capaz pelo de superação. É nesse momento que a mudança acontece”, explica Celso Junior.

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O jovem que vive trancado no quarto está pedindo socorro e a Universal tem como atender esse chamado, segundo Celso Junior. “A FJU promove um conjunto de soluções para o bem-estar da juventude, como o projeto Help, que faz acompanhamento individual para fortalecimento da autoestima; o projeto Esporte, que visa o estímulo a práticas esportivas; o projeto FJUNI, destinado aos universitários e ao desenvolvimento intelectual; e o projeto Cultura, que incentiva a arte e a cultura. Além disso fazemos atendimentos on-line e oferecemos um ambiente familiar em que os jovens podem se relacionar com outros jovens que têm o prazer de ajudá-los e compartilhar suas histórias de sucesso”, finaliza.

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Colaborador

Ana Carolina Cury / Fotos: Demetrio Koch, FJU Rio, Cedidas / Arte: Edi Edson