Eles não são casos perdidos

Projeto Universal Socioeducativo já recuperou mais de 80 mil jovens mundo afora e devolve esperança a quem não acreditava mais nela

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Quando o assunto é crime, infelizmente o Brasil é um terreno fértil e basta levar em conta o número de adolescentes usados pelo mal.

Muitos são encaminhados para instituições como o Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação Casa), no Estado de São Paulo, substituta da Fundação Estadual para o Bem-Estar do Menor (Febem).

Cada Estado brasileiro tem sua instituição deste tipo, com nomes diferentes, para a contenção dos jovens infratores de 12 a 21 anos incompletos, com o foco em ressocializá-los – o que nem todas conseguem fazer.

Para preencher essa carência na vida dos adolescentes, foi criado o Projeto Universal Socioeducativo (USE), que atua há quase 30 anos nos centros de atendimento ao menor em quase todos os países em que a Universal está instalada. Mais de 80 mil jovens já foram atendidos mundo afora.

Existe esperança?
Os pastores e voluntários da Universal no USE visitam os internos para lhes dar atenção, orientação espiritual e até noções de saúde e higiene. “Trabalhamos para que o jovem volte para a sociedade com a mente e a visão mudadas. Às vezes, eles não saem preparados para a discriminação e a perseguição que sofrerão”, conta o Pastor Ulisses Gomes, coordenador do USE.

O Pastor Ulisses explica quais são as atividades do grupo: “os orientamos para que acreditem em si mesmos, ajudamos na reintegração, por meio de atividades sociais, como esportes, o teatro, a música, entre outras, e, acima de tudo, orientamos quanto à importância de ter a presença de Deus”.

Outros grupos da Universal e seus voluntários ajudam no trabalho feito nas unidades, como a Força Jovem Universal (FJU), o T-Amar e o Raabe, entre outros. “Fazemos, inclusive, reuniões de ex-internos com seus familiares. Mostramos para algumas famílias que não devem depender do menor para suprir as necessidades do lar. Muitos deixam seus jovens ingressarem no crime por causa do lucro rápido – alguns meninos têm os pais presos e seguem seus maus exemplos”, diz o Pastor Ulisses.

Os vícios dominavam sua mente
O argentino Ricardo Salazar, (foto abaixo) de 22 anos, tinha muitos problemas em casa. “Meu pai era alcoólatra, me batia muito, dizia que eu não era filho dele e que eu não servia para nada. Aos 12 anos, conheci as drogas e o crime. Aos 14, tive minha primeira passagem pelo Centro de Menores (o equivalente argentino à Febem), que foi seguida de mais oito”, relata.

transformação, crime, problemas

O mau efeito de seu comportamento se multiplicava: “eu era um péssimo exemplo para meu irmão mais novo, que me imitava em tudo. Chegamos a bater em nosso pai durante uma grande briga. Eu não conseguia deixar os vícios, que dominavam minha mente, nem as más amizades”, afirma

Na ultima vez em que foi preso, Ricardo ficou detido dois anos. Ele soube pelo irmão que as brigas em casa continuavam. Infelizmente, tempos depois, o irmão mais novo se suicidou. “Minha irmã entrou em depressão. Meu pai tentou o suicídio, por não aguentar de saudade de meu irmão, que eu também tinha. Fui solto e saí definitivamente de casa aos 19 anos. Recomecei a fazer coisas erradas e também tentei me matar.”

Um dia, voluntários da Universal o convidaram para conhecer o trabalho do USE. “Quando ouvi o pastor em uma reunião para ex-internos, era como se ele descrevesse a minha vida. Ele dizia que eu tinha que aprender a perdoar, mas eu não conseguia abrir meu coração, estava muito magoado, ferido e sentia que a sociedade ainda me discriminava.”

fé, ajuda, revolta, esforço

Ricardo seguiu e obedeceu passo a passo o aprendizado espiritual. “Eu disse a Deus: ‘Meu Senhor, eu quero uma nova vida. Me entreguei a Ti, me batizei nas águas, deixei o mundo, deixei os vícios e perdoei minha família. Eu dou o que o Senhor quiser de mim, até o meu irmão que ficou em meu coração. Deixo tudo que tenho para Ti e quero no lugar o Seu Espírito, Senhor Jesus.”

A mudança em sua vida começou ali. “Ao voltar para casa, minha irmã estava diferente. Ela me disse que, naquela noite, enquanto eu estava na reunião, nasceu nela uma vontade de se levantar e fazer coisas úteis em casa. Eu a levei comigo à Universal e, com passar do tempo, levei meus pais também.” Sua transformação foi percebida até fora de casa: “eu não precisava falar de Deus para as pessoas, pois elas diziam que meu olhar, minha aparência e meu jeito de falar eram outros, com muita calma.”

Quando Ricardo completou 20 anos, seus pais lhe pediram perdão por tudo que tinham feito. “Somos unidos e tenho uma família maravilhosa. Vim para o Brasil conhecer melhor a Universal onde ela nasceu e me tornei pastor auxiliar em São Paulo. Olho para trás e vejo como toda essa mudança começou graças ao trabalho do USE.”

Expandir a visão do jovem
Quem vê Adilson Tarciso Filho, (foto abaixo) de 31 anos, de São Paulo, nem imagina seu passado de menor infrator. Criado pela mãe solteira, só conheceu o pai aos 14 anos: “decidi morar com ele porque ele tinha uma vida financeira estável, mas descobri que ele chefiava uma facção criminosa”. O mal exerceu seu apelo: “meu pai nos deixava longe do crime, mas a curiosidade levou um irmão e a mim a cometermos pequenos assaltos. Logo roubávamos mansões e cargas. Pouco tempo depois já éramos respeitados no bairro, mas também vieram grandes inimigos e perseguições. Embora tivesse dinheiro, mulheres e tudo que quisesse, não conseguia pôr a cabeça no travesseiro sem medo de que me matassem. Eu saía sempre armado”, conta.

problemas, dificuldades, crime, fé

Aos 17 anos, após um sequestro malsucedido, Adilson foi apreendido. “Eu apanhava bastante na Febem, pois era revoltado. Passei pelas piores unidades e enfrentei duas rebeliões. Cheguei a participar de um ‘grupo de disciplina’, o que no crime é chamado de ‘faxina’ – uma espécie de ‘tribunal do crime’ que decide todas as regras e quem morre ou vive. Me tornei o
‘chefe da casa’.”

Foi naquela unidade que teve contato com o USE. “Um dia procurei um dos voluntários e desabafei. Com o decorrer do tempo, aceitei o Senhor Jesus e decidi me batizar. Passei a frequentar as reuniões, abandonei a vida errada e entreguei meu posto de ‘cabeça da casa’”.

Os desafios começaram. “Não foi fácil, mas a cada dia eu ouvia Deus falar comigo. Participei de um voto da Fogueira Santa lá dentro. Três meses depois, recebi a notícia da minha liberdade, o que era algo quase impossível de acontecer por causa do meu histórico.”

Solto, Adilson conheceu a FJU. Ele relata como foi sua experiência: “encontrei todo o apoio de que precisava, pessoas que não me discriminaram e me ajudaram. Hoje sou casado, tenho uma família incrível que Deus me deu, um trabalho digno, faço faculdade e ajudo outros que estão na mesma situação que estive um dia”.

Por ter visto de perto os males da sociedade, Adilson cursa a faculdade de gestão pública, presta assessoria política e já põe em prática o que aprende: “quando oriento outros jovens, mostro a eles que sua visão é importante, mas não é a única. Ao ouvirem o que o USE tem a ensinar, eles podem expandir seus pontos de vista e ver que suas vidas é muito mais do que pensam dela naquele momento”.

A semente foi a má revolta
O caminho de Ligia Cristina Leite (foto abaixo) no USE foi oposto ao tradicional. Ela, que tem 31 anos e mora em Ribeirão Preto (SP), não teve a influência da Universal em uma entidade de menores, mas ingressou no projeto ao conhecer o Senhor Jesus na Igreja. “Faz cinco anos que estou no USE e mostro que tem jeito até quando a família, a sociedade e o próprio jovem acham que não. Minha história é uma prova disso.”

problemas, crime, tristeza, fundo de poço

segurança, fé, milagre, esforço

Ligia descobriu que era filha adotiva aos 7 anos. “Fiquei com uma revolta muito grande. Eu não podia reclamar de nada em relação aos meus pais, mas me tornei indisciplinada. Aos 13, comecei a agredir minha mãe verbalmente. Eu a amava e odiava ao mesmo tempo.

Comecei a fazer coisas erradas para machucá-la.”

Seus erros não eram algo sem importância: “me envolvi com traficantes, morei com um usuário de drogas, tive um filho dele e batia em meus pais. Para fugir, fui mudando de cidade em cidade e me envolvi com um homem casado. Engravidei dele e tive uma menina. Ele não aceitou a situação e tentei me matar. Virei prostituta.”

Mas a conversão de uma “colega” a levou pelos caminhos misteriosos de Deus: “comecei uma amizade com uma moça que era mãe de santo, nos prostituíamos e íamos a baladas, mas ela passou a ir à Universal e algo mudou nela. Fiquei curiosa e quis ir com ela.”
Ligia relata que o começo foi difícil. “Ninguém acreditava em mim, a não ser minha mãe, que nunca desistiu de mim nem mesmo nos piores momentos. Estou muito bem com meus familiares e não tenho a menor dúvida do amor que existe entre nós.”

Ao conhecer o USE, ela não pensou duas vezes e quis ajudar. “Imediatamente eu quis fazer o que pudesse, pois sei o que há na mente de internos, ex-internos e, principalmente, de meninas que passam pela prostituição. A maioria é revoltada porque quer chamar atenção, mesmo que essa seja a pior forma possível e agir. Mostro a elas que isso só traz prejuízos. A mudança é possível em Deus, mas o primeiro passo em direção a Ele é nosso, independentemente das nossas dúvidas.”

O crime era a saída
Alleck Matheus Oliveira, (foto abaixo) de 17 anos, de Praia Grande, no litoral paulista, sofreu perdas logo no começo da vida. “Meu pai morreu antes de eu nascer e perdi minha mãe quando tinha 3 anos. Um casal me adotou, mas o tratamento era desigual entre o filho biológico e eu.” Ele também foi vítima de bullying na escola: “me isolavam porque sabiam da minha história. Eu sentia olhares de desprezo, ficava revoltado com Deus e perguntava a Ele por que eu havia nascido e se Ele queria testar o quanto alguém consegue armazenar de ódio e tristeza no coração. Aos 10 anos encontrei a ‘saída’ no crime”.

perdição, drogas, crime

Ele passou a viver sem regras. “Ficava dias e dias sem dormir ou comer direito, vendendo e consumindo cocaína e maconha. Fui apreendido nove vezes. Minha mãe me viu ser algemado e preso em casa. Ela se sentia humilhada, me faziam ameaças de morte na rua para que ela ouvisse e ela chegava em casa chorando”.

mudança, força de vontade, fé

Na nona vez ele foi parar na Fundação Casa. “Eu refleti quanto tempo tinha perdido, o quanto as pessoas me avisavam do perigo e eu não acreditei. Lá eu conheci o USE. Certo dia o Pastor Ulisses me falou que nos veríamos na rua e que eu seria um homem de Deus, mas eu não lhe dei muito crédito.”

Alleck ficou alguns meses em regime fechado até ir para a semiliberdade, quando descobriu o boxe. Ele foi morar com seus técnicos, que eram da Universal, se tornou lutador profissional e atua na categoria Juvenil 69 quilos.

Em um evento para jovens houve uma reunião da Universal e, para sua surpresa, foi com o Pastor Ulisses. “Fiquei muito feliz, pois o que ele falou se cumpriu. Graças a Deus, de lá para cá, minha vida mudou de uma forma que nunca imaginei. Os voluntários do USE me apoiam em minhas guerras. Eu tenho auxílio espiritual e, não fosse por isso, talvez já estivesse na vigésima passagem pela Fundação Casa ou morto. No fim de novembro participarei do Campeonato Brasileiro de Boxe e, para honra e glória de Deus, estou focado nisso.”

Lutador no ringue e na vida, Alleck destaca: “o USE pode transformar a vida de muitos que acham que não existe mais jeito. Quando a pessoa recebe de coração aberto o que os voluntários dizem e ensinam, sua vida muda. Não importa o que o mundo ao redor pense, não tem como você não ‘arrebentar’, pois tudo em que você põe as mãos prospera se você tem o Espírito Santo”.

Transformando a todos
O pastor Ulisses já viu muitos menores transformados ao longo dos anos que está à frente do USE, mas não só eles. “Uma frase que eu ouvia muito antes era ‘bandido bom é bandido morto’. Cheguei, inclusive, a ter raiva de um irmão que foi interno da Febem, mas, atuando no USE, percebi que falta atenção, amor e Fé a esses meninos e meninas. Quando os voluntários encontram um jovem bem encaminhado, sentimos como se ele fosse alguém de nossa própria família – e é, pois pertence à família da Fé. Hoje vejo que por causa da Fé a ressocialização pode funcionar.” Cerca de 80 mil famílias podem assegurar que ele está certo.

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Colaborador

Marcelo Rangel / Fotos: Cedidas, Demetrio Koch, e Arquivo Pessoal