Pornografia na mira

Leis para limitar o acesso a conteúdos pornográficos e estudos sobre os riscos desse tipo de material levantam novas discussões sobre o tema. Apesar da falta de consenso, famosos e anônimos explicam como a pornografia foi prejudicial em suas vidas

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Quem nunca encontrou uma imagem pornográfica por acidente na internet? Nos últimos anos, a tecnologia facilitou o acesso a diversos tipos de informação, inclusive à pornografia. Fotos e vídeos com esses conteúdos circulam com frequência em redes sociais e chegam a causar constrangimento quando aparecem de forma inesperada no WhatsApp. Preocupados com os riscos trazidos por eles, alguns governos já discutem formas de controlar o acesso a eles.

No Reino Unido, até o fim deste ano entrará em vigor a obrigatoriedade da verificação de idade para os usuários de sites pornográficos, segundo o jornal The Independent. Aprovado em 2017, o projeto determina a instalação de um sistema para controlar o acesso a esses sites apenas por pessoas maiores de 18 anos. Embora ainda existam dúvidas sobre como o sistema vai funcionar, a medida representa uma tentativa de deixar a internet mais segura para as crianças.

Enquanto isso, nos Estados Unidos, o Estado de Rhode Island quer cobrar uma taxa única de US$ 20, cerca de R$ 65, para que páginas de conteúdo pornográfico sejam acessadas. O objetivo do projeto apresentado em março por senadores democratas é ajudar a impedir que crianças e adolescentes acessem esse tipo de conteúdo. Segundo a proposta, o cidadão que quiser ver pornografia on-line terá de obter uma espécie de licença. A taxa paga pelos usuários seria revertida para o combate ao tráfico de seres humanos. A lei ainda exigiria que os provedores de internet bloqueassem o acesso a sites que contenham pornografia infantil e pornografia de vingança, assim como qualquer site que facilite a prostituição ou o tráfico de humanos, detalha o jornal The Washington Times. Já em fevereiro, na Flórida, a Câmara dos Deputados aprovou uma resolução apresentada por um deputado republicano que considera a pornografia um problema de saúde pública, de acordo com informações do jornal The Washington Post.

A psicóloga clínica Irene Stranieri, de São Paulo, diz que o controle do acesso a conteúdos pornográficos por crianças é importante. “Os pais precisam fiscalizar e bloquear o acesso à pornografia, pois crianças que veem esses conteúdos podem crescer com parâmetros fictícios sobre sexo e relacionamento”, afirma. A psicóloga clínica e psicoterapeuta Renata Goltbliatas acrescenta que os pais devem manter o diálogo aberto com os filhos sobre o tema. “O acesso desse tipo de material pode trazer uma visão distorcida e até assustadora do sexo para a criança, dependendo do seu nível de entendimento e maturidade emocional”, diz.

Riscos

Ainda não há consenso científico sobre os possíveis riscos relacionados à pornografia. Entretanto, várias pesquisas apontam que os materiais pornográficos podem gerar problemas para jovens e adultos.

Alguns dos malefícios da pornografia foram apontados recentemente pelo humorista norte-americano Chris Rock, de 53 anos (foto abaixo). Em stand-up disponível em plataforma streaming, o astro conta que foi viciado em pornografia e explica que o consumo desse tipo de material o tornou uma pessoa insensível. “Quando você começa a ver pornografia, qualquer vídeo o excita. Mais tarde, você precisa de um coquetel perfeito de pornografia para se satisfazer”, diz ele no vídeo. Rock ainda fala sobre ter traído a esposa, indicando que seu divórcio teria sido uma consequência da pornografia. “O divórcio foi minha culpa, porque eu fui um idiota. Eu não ouvia o que ela dizia. Eu não era gentil com ela.”

Vício

A psicóloga clínica e psicoterapeuta Renata Goltbliatas diz que o vício em pornografia pode ser comparado à dependência em álcool e drogas, pois aciona as mesmas áreas do cérebro que essas substâncias. “Com o uso cada vez mais frequente, pode ser que a pessoa sinta uma necessidade crescente de utilizar essa ferramenta, o que inviabiliza que ela tenha vontade de procurar outras formas de satisfação”, alerta.

A especialista explica que o consumo excessivo de pornografia pode levar a prejuízos na relação amorosa do casal e até comprometer outras esferas da vida, como o trabalho. Diminuição do desejo sexual pelo parceiro, redução da libido, sentimentos de vergonha e baixa autoestima são alguns dos problemas listados. “O vício pode trazer outras consequências, como a disfunção erétil, geralmente associada à ansiedade e a uma preocupação com a necessidade de agradar e satisfazer que pode gerar uma tensão grande e causar um abreviamento na ereção”, esclarece.

Ronaldo Queiroz, de 36 anos (foto abaixo), sentiu na pele os efeitos da dependência em pornografia. Ele explica que tudo começou com o vício em sexo. “Eu sentia um vazio e preenchia isso ficando com várias mulheres. Houve época em que eu ficava com seis, sete mulheres ao mesmo tempo. Eu gostava de contar para os amigos. Minha maior vontade era seduzir. Isso me trazia adrenalina.”

Ele conta que a pornografia surgiu para ocupar a fase em que ele não estava com uma mulher. “Eu ficava no computador acessando vídeos, conteúdos pornográficos, conversando pela webcam com várias mulheres, me masturbando. Passava a noite toda acordado, nem dormia”, lembra. Aos poucos, o tempo gasto com pornografia começou a afetar o desempenho de Ronaldo na faculdade e no trabalho. “Eu só queria saber de uma coisa: me satisfazer sexualmente”, afirma.

A busca desenfreada por sexo e pornografia o levou a uma situação extrema quando ele tinha 27 anos. “Eu buscava mulheres o tempo inteiro, em qualquer lugar, não tinha mais regras, e me envolvi com uma mulher casada. Quando o marido dela descobriu, ele veio para cima de mim. Tive medo de morrer. Foi aí que percebi que o vício estava dominando minha cabeça e meu corpo. Vi que era uma ilusão.”

Ronaldo, então, procurou ajuda na Universal, que era frequentada por sua mãe. “Pedi uma orientação ao pastor e ele disse que era possível mudar de rota. Decidi tentar e fiz um voto com Deus, passei a participar das reuniões e a fazer propósitos. Comecei a ouvir a Palavra de Deus e a praticar minha fé com toda força”, detalha.

Ronaldo garante que superou o vício em pornografia pouco tempo depois. “Aprendi a ser feliz com Deus e tive minha vida totalmente transformada. Consegui me livrar do vício em sexo e em pornografia, também abandonei o álcool”, resume ele, que é casado há mais de cinco anos com Tamyres Queiroz, de 26 anos. “Hoje, investimos no espírito do amor e em nosso casamento com as palestras da Terapia do Amor, no Templo de Salomão. Lá, aprendemos a fazer o melhor um para o outro”, conclui.

Ilusão

A psicóloga clínica Irene Stranieri destaca que a pornografia apresenta o sexo de maneira ilusória, o que pode levar muitas pessoas a criar uma falsa ideia sobre o que é um relacionamento amoroso. “Essa relação da pornografia é fictícia, não é uma vivência real, natural. A pessoa que consome pornografia pode fazer confusão e exigir do parceiro aquilo que vê nos vídeos, ou, se não consegue reproduzir a mesma encenação, ela pode achar que tem um problema”, explica.

Rosana Alves, de 37 anos (foto à esquerda), lembra que ela e o marido começaram a ver pornografia para “apimentar a relação”, mas descobriram que a prática transformou a relação em um verdadeiro inferno. A busca por material pornográfico começou em 2001, quando eles completaram dois anos de casamento. “Ele deu a ideia e começamos a assistir pornografia quase todos os dias à noite, ficamos viciados”, diz. Alguns meses depois, entretanto, Rosana ficou incomodada com a situação. “Eu não queria que ele assistisse mais, sentia ciúmes daquelas mulheres dos vídeos”, conta.

O relacionamento ficou insustentável depois que ela descobriu uma traição do marido. “Ficamos separados por 15 dias. Quando voltamos a morar juntos, ele começou a beber e chegava em casa de madrugada. Brigávamos muito, com agressões físicas. Cheguei a ameaçá-lo com uma faca.” Rosana diz que a vida do casal começou a melhorar há dez anos, quando Ivan procurou ajuda na Universal para superar os conflitos no casamento e a dependência em álcool. Ela também frequenta as reuniões da Universal há mais de sete anos. “Nossa vida mudou, não há mais brigas. Consegui perdoar a traição e superamos os traumas do casamento. Hoje, as reuniões da Terapia do Amor e do grupo Godllywood me ajudam bastante. Aprendi a ouvir mais e a conversar com o Ivan abertamente”, conclui.

Irene Stranieri destaca que o diálogo ajuda a fortalecer o casamento e a evitar problemas com a pornografia. “Em um casamento, é preciso haver muita compreensão e cumplicidade. Se um dos cônjuges faz algo que está desagradando, o casal deve conversar e buscar uma mudança.”

Curiosidade

Danielle Santos, de 29 anos (foto abaixo), conta que teve uma experiência péssima com a pornografia. Ela começou a consumir esse tipo de material em 2007, com o ex-namorado. “Começamos vendo revistas por curiosidade, depois vídeos. Passamos a frequentar feiras sobre o tema e chegamos a um ponto em que não conseguíamos ficar sem pornografia”, explica.

Ela revela que em pouco tempo as imagens pornográficas passaram a inspirar o relacionamento dos dois. “As fantasias ficavam cada vez mais fortes, mas eu achava que se não fizesse com ele, ele faria com outra pessoa.” Danielle afirma que o ex-namorado manifestava ciúmes quando ela se recusava a fazer algo. “Depois que eu levei uma pessoa de fora para nosso namoro, fiquei insegura. Aí, começaram as traições: eu o traía e ele me traía.”

Em 2014, após o fim do relacionamento, Danielle diz que ficou depressiva. “Comecei a tomar remédio para depressão. Eu não tinha perspectivas, sentia apenas desejo de morrer. Em 31 de dezembro, lembrei que já tinha ido à Universal e fui participar da Vigília da Virada. Pedi perdão a Deus e decidi mudar”, conta.

Danielle afirma que começou a mudança de vida abandonando de vez a pornografia. “Parei de seguir canais de vídeos, apaguei alguns telefones do meu celular e queimei o material pornográfico que tinha em casa.” Ela explica que fortaleceu sua autoestima participando de palestras na Universal. “Com o grupo Godllywood, aprendi a me valorizar e a acreditar mais em mim. As tarefas me ajudam a ser uma pessoa melhor. Hoje estou fazendo faculdade de administração e tenho perspectivas”, conclui.

Fraqueza espiritual

Durante o programa de rádio A Escola do Amor Responde, no início de março, o apresentador e escritor Renato Cardoso explicou o vício em pornografia do ponto de vista espiritual. “Muitos que têm o vício da pornografia não conseguem parar sem ajuda externa, sem ajuda do Alto, sem ajuda espiritual, porque todo vício tem um elemento espiritual. A pessoa viciada, seja na pornografia, no jogo ou na droga, tem uma fraqueza espiritual para aquele vício, então ela poderá não conseguir deixar a pornografia sem ajuda”, avaliou ele, que ministra as palestras da Terapia do Amor às quintas-feiras, no Templo de Salomão, em São Paulo (SP). Apesar de ser um grande desafio, ele lembrou que é possível superar o problema. “Se a pessoa for humilde e inteligente para reconhecer isso, ela pode buscar ajuda, receber essa ajuda e se libertar do problema.”

A partir de uma pergunta sobre pornografia enviada por uma ouvinte, Renato Cardoso e sua esposa, a também apresentadora e escritora Cristiane Cardoso, destacaram que os casais que desejam superar os problemas trazidos pela pornografia devem estabelecer regras claras. “Existem regras que você pode impor em casa. Por exemplo, se o marido via pornografia por meio do computador, do celular, a esposa tem que ter acesso, ele não pode reclamar. E se ele apagar? Se ele apagar, ele precisa saber que tudo que uma pessoa esconde um dia chega à luz. Deus vai lhe mostrar e, se isso acontecer, ele não terá mais chance”, sugeriu Cristiane.

“Você tem que dizer para o seu marido: ‘eu não sou o tipo de mulher que vai ter um marido que precisa olhar outras mulheres para se satisfazer sexualmente e ponto final.’ Isso é inegociável, você tem que falar firmemente com ele, olhando nos olhos dele”, completou Renato. “Se ele realmente não está valorizando o casamento acima de uma coisa tão chula como a pornografia, ele simplesmente não a merece”, concluiu.

Violência nos bastidores


Os bastidores das produções pornográficas costumam gerar debates controversos. A expectativa de vida de uma atriz de filme pornográfico é de 36 anos, segundo dados da Pink Cross Foundation, instituição norte-americana fundada pela ex-atriz pornô Shelley Lubben. De acordo com a organização, das cerca de 2 mil estrelas da pornografia em atividade na Califórnia, 206 morreram de causas como Aids, suicídio, homicídio e abuso de drogas entre 2003 e 2014. Um vídeo produzido pela TV universitária da USP em 2014 indica que as atrizes dos filmes costumam sofrer violência e humilhações. “Somos vistas no set como um objeto. Tem que fazer, tem que ‘dar ângulo’, não importa se está doendo, tem muito ator também que esculacha a atriz”, diz uma atriz no vídeo.

Em dezembro, a atriz pornô canadense Mercedes Grabowski, de 23 anos, tirou a própria vida, segundo a revista Rolling Stone. Dias depois, a atriz pornô norte-americana Yurizan Beltran, de 31 anos, foi encontrada morta e a suspeita é de overdose acidental, segundo a revista Newsweek. Em janeiro, a atriz pornô norte-americana Olivia Lua, de 23 anos, morreu em uma clínica de reabilitação na Califórnia. No mesmo mês, a atriz Olivia Nova, de 20 anos, morreu em Las Vegas. Não é possível afirmar que as mortes tenham relação direta com os bastidores da pornografia. Os casos trágicos levantam uma reflexão: afinal, será que vale a pena assistir produções que disseminam ideias distorcidas sobre sexo e estimulam práticas de violência e humilhação contra mulheres? Se a questão é curiosidade, é importante se perguntar quais são os interesses de quem produz esses filmes e que tipo de prejuízos eles podem trazer. Agora, para os que desejam melhorar a própria vida sexual, a opção mais saudável é buscar fontes que estejam de acordo com os seus valores.

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Colaborador

Por Rê Campbell/ Fotos: Demetrio Koch, Mídia FJU, Fotolia e Reuters