Fama e escândalos

Em meio a tantas facilidades para se corromper, jogadores conseguem manter o equilíbrio e evitar a própria destruição. Entenda como

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Quando se fala em futebol no Brasil, falamos da paixão nacional que milhares de pessoas têm pelo esporte. Nomes como Pelé e Garrincha se juntam ao de craques com histórias mais recentes, como Ronaldo, Romário, Ronaldinho Gaúcho, e a outros da atualidade, como Neymar. Todos eles povoam o imaginário popular como atletas de sucesso, cujas carreiras deram certo financeiramente.

Há bastante tempo, o futebol tornou-se um mercado rentável. No Brasil, só em 2016, os 20 times que jogaram a primeira divisão e os quatro que subiram da segunda arrecadaram R$ 5 bilhões na temporada. E mais: de acordo com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), no primeiro semestre de 2015, a venda de jogadores brasileiros para o exterior chegou a US$ 98,8 milhões, cerca de R$ 323,68 milhões em valores atualizados.

Para o sociólogo Rafael Diniz, de 29 anos, formado pela Escola de Sociologia e Política do Estado de São Paulo, esses valores tendem a crescer cada vez mais. “Desde o preço dos jogadores até direitos de imagens, artigos esportivos e outros bens simbólicos que a indústria do espetáculo produz, alimentando o glamour da profissão, o futebol é uma mercadoria extremamente fácil de ser vendida das mais diferentes formas, através dos mais distintos produtos e para os diversos tipos de públicos”, avalia.

Números como os citados anteriormente e o sucesso de muitos jogadores brasileiros fora do Brasil são ingredientes que atraem cada vez mais pessoas para a profissão. Além disso, para Diniz, o futebol continua sendo uma válvula de escape para a ascensão social de muitos jovens pobres. “O esporte no Brasil é mais uma ferramenta na busca de uma ascensão do que uma ferramenta educacional. Por isso, muitos abandonam a escola para se dedicarem exclusivamente à sua profissionalização no futebol”, analisa.

Fama e escândalos

Mas o detalhe é que a fama e o dinheiro também podem estar associados a escândalos fora das quatro linhas do campo. Ainda guardamos na memória a história do jogador Bruno, ex-goleiro do Flamengo. Apontado como mandante do assassinato da modelo Eliza Samudio, com quem teve um filho, Bruno foi condenado a mais de 22 anos de prisão.

O caso mais recente, apesar de ainda estar sob investigação, é do atacante Robinho, que foi condenado na Itália a nove anos de prisão, sob a acusação de ter participado do estupro coletivo de uma jovem em 2013. O crime teria ocorrido quando ele jogava na Europa.

O jogador ainda pode recorrer da condenação em duas instâncias e nega ter participado do fato. Entretanto, não é a primeira vez que ele é acusado de agressão sexual. Em 2009, quando jogava pelo Manchester City, ele foi acusado de estupro por uma mulher que conhecera em uma boate de Leeds, na Inglaterra. O processo acabou arquivado três meses depois.

Especialistas afirmam que muitos dos problemas registrados extracampo têm relação com a falta de preparação dos jogadores para enfrentar a carreira. “O Garrincha é um exemplo, mas hoje em dia a coisa se tornou mais complexa. Este dom próprio, como uma espécie de capital do atleta, o faz se profissionalizar precocemente a fim de buscar o capital econômico, a ascensão, a distinção e o status social. Eles acabam partindo para o consumo de luxo quando ganham o primeiro salário”, explica Diniz.

Driblando o futuro

Com o jogador Washington Santana da Silva (foto ao lado), de 28 anos, a situação não foi diferente. O paulista criado no bairro da Brasilândia, periferia da cidade de São Paulo, jogava nos campinhos da comunidade e aos 10 anos foi descoberto por um “olheiro”. Aos 15, assinou seu primeiro contrato e viu seu hobby virar profissão.

Para o sociólogo Rafael Diniz, o que aconteceu com Washington é comum para os jogadores brasileiros. “A profissionalização no futebol, na maioria dos casos, é precoce e vista como única forma que crianças e adolescentes têm para modificar suas trajetórias. É usando os pés que tentam dominar a bola para ‘driblarem’ seus futuros.”

Filho de manicure e de instalador de telefone, Washington queria proporcionar uma vida melhor para os pais e os quatro irmãos. Mas, com a mudança, ele também começou a curtir festas, farras, bebidas e mulheres. Quando foi jogar na Sérvia, o jovem passou a se afundar ainda mais nas noitadas. “Eu não percebia que aquela vida sem limites estava me prejudicando em campo. Eu chegava seis da manhã e levantava às oito para treinar. Chegava com cheiro de álcool”, revela.

Ao retornar ao Brasil, no final de 2009, ele passou por clubes como a Penapolense, Botafogo, Joinville, Palmeiras, Paraná Clube, entre outros, e já tinha alcançado tudo o que sonhou. Mesmo assim, Washington sentia-se sozinho.

A fama, as mulheres e o dinheiro não eram capazes de preenchê-lo. Mas foi por meio de um amigo, também jogador, que, em agosto de 2010, ele aceitou um convite para ir à Universal. “Ele virou e me disse: ‘se você colocar em prática o que eu estou falando e se você não mudar, eu queimo a Bíblia’. E eu quis comprovar se minha vida mudaria”, lembra.

Há sete anos o jogador é membro da Universal. Hoje, casado e pai de uma menina de 2 anos, ele mora com a família em Portugal e joga pelo Desportivo das Aves.

Washington é lembrado por reconhecer publicamente o poder da fé em uma partida do campeonato paulista, em 2014, depois que marcou um gol que classificou seu time. “Foi quando gritei em campo ‘Eu Sou a Universal’. Disse isso em rede nacional. Graças aos direcionamentos que encontrei, pude reescrever uma nova história”, afirma.

Uma lenda

Engana-se também quem acha que a fama tornará sua vida um mar de rosas. Gustavo Boccolli (foto ao lado), de 39 anos, jogou profissionalmente quase duas décadas, mas chegou a se desiludir com a carreira e teve depressão por causa disso. “No começo da profissão, quando jogava em times menores, eu era colocado de lado. As condições de treinamento eram precárias. Às vezes, os clubes não tinham nem como pagar um salário equivalente ao de um jogador. Pensava em desistir por achar que não seria bem-sucedido. Na época, nem empresário eu tinha”, conta.

A falta de oportunidades e o desânimo são alguns dos problemas que o futebol pode apresentar, como explica o sociólogo Diniz: “são pouquíssimos os jogadores que conseguem ‘vingar’ como profissionais. E os que conseguem, por vezes, acabam ficando reféns de terceiros para gerenciarem suas carreiras, o que impacta em outros fatores importantes da sua vida”, analisa.

No Brasil, Boccolli passou por times como Portuguesa Santista e Santo André, mas o objetivo dele era a carreira internacional, que demorava a chegar. Boccolli fez testes em cinco países. Ao todo, foram mais de 15 clubes. “Até gostavam de mim, mas, na hora do contrato, sempre acontecia algo e eu era mandado de volta para o Brasil”, lembra.

Foi quando estava vivendo esse conflito, de não conseguir uma chance em um time fora do País, que Boccolli chegou a Universal, em 2000, depressivo e desacreditado. A partir desse momento, o jogador passou a buscar forças na fé e pôde ver seu maior sonho acontecer. Ele está casado há 16 anos com Josiane Boccolli, de 39 anos, e tem um filho de 11 anos.

“Encerrei a minha carreira sendo considerado ‘uma lenda’. Fui o primeiro brasileiro a ser convocado para jogar na seleção de Israel. Em uma homenagem, ouvi que era um grande exemplo para jogadores e toda a equipe técnica, como uma pessoa de caráter, profissional e temente a Deus. Em um país em que sou estrangeiro, isso não tem preço. Tenho uma vida estável financeiramente e um casamento feliz, solidificado na parceria e no respeito”, avalia.

“A fama me corrompeu”

João Alves de Assis Silva (foto ao lado), mais conhecido como Jô, tem 30 anos e é casado com Cláudia, de 33 anos. Os dois tem o filho Pedro e esperam a chegada de Miguel. O jogador já passou por times como CSKA Moscou, Manchester City, Galatasaray, Internacional, Atlético Mineiro e atualmente está no Corinthians, clube em que começou a jogar. No último Campeonato Brasileiro, ele foi um dos artilheiros. Em entrevista ao programa Conexão FJU, o jogador falou da carreira e de fatos conturbados da sua vida.

Como muitos outros, Jô veio de uma família pobre. Apesar das dificuldades que enfrentava, ele nunca passou fome. Ele revela que em seu início como profissional foi muito fácil se perder. “Tinha dois anos de profissional quando fui jogar na Rússia. Era muito novo e ganhava um salário bom para um jovem de 18 anos”. A esposa dele complementa: “quando ele casou comigo, se tornou outra pessoa. Ele queria sair, bebia, me traía muito. Eu até falava para ele: ‘você foi propaganda enganosa’. Isso fez com que nascesse muito ódio dentro de mim”, revela.

De volta ao Brasil, na passagem pelo Internacional de Porto Alegre, ele foi afastado por indisciplina. “A fama me corrompeu para usar álcool. Você acha que é o dono do mundo. E você se sente grande. Aí vem o desrespeito com a esposa. Você sai e não tem hora para voltar. Eu não queria escutar ninguém. Nunca se consegue preencher esse vazio com bebida nem com mulheres. Não tem como”, pondera.

No auge da carreira, em 2014, Jô disputou a Copa do Mundo com a seleção. “Depois da Copa, fiquei um ano sem fazer gol. Para um atacante é muita coisa. Minha esposa saiu de casa e eu achava que aquilo tudo ia passar, que, pouco depois, ela voltaria e a gente se acertaria. Mas isso não aconteceu. Foi quando deu um estalo e me perguntei ‘o que eu estou fazendo com a minha vida?’”

A mudança aconteceu graças à esposa dele, que já buscava por ele participando das correntes e campanhas da Universal. “Depois da minha entrega de fato, de verdade, vieram bênçãos através do meu trabalho. Eu conquistei coisas grandes, sou muito grato a Deus por tudo. Hoje me sinto preenchido. Sacrifício vale a pena, qualquer que seja o tempo conversando com Deus, entregando a sua vida para Ele, porque a recompensa é gigantesca”, explica Jô.

Frutos da fé

Já a história do jogador Romulo Caldeira (foto ao lado) difere um pouco da dos outros companheiros de profissão. Bem orientado pela família, ele começou no futebol aos 13 anos e nunca se envolveu com farras, bebidas e mulheres. Ele conheceu o trabalho da Universal quando tinha 16 anos. “Um amigo, também jogador, saía quase todos os dias da concentração com uma Bíblia na mão para a Universal, mas, até então, eu não sabia. Um dia, curioso, eu mesmo me convidei para ir com ele. Desde então, nunca mais saí”, lembra.

O direcionamento que Romulo recebe desde sua juventude só o ajudou a crescer na carreira e o fortaleceu nos momentos difíceis. “Eu iria jogar a Copa do Mundo de 2014 no Brasil pela seleção italiana, mas, por causa de uma lesão na virilha, tive que dizer que não era justo eu ir no lugar de alguém que estivesse melhor. Pensei que o problema passaria em algumas semanas, mas a situação persistiu por dois anos.”

Romulo passou por cinco cirurgias. Procuradores de futebol, diretores e colegas falavam que ele corria o risco de nunca mais conseguir jogar. Mas ele recorreu à fé: “fiz a última cirurgia e voltei a jogar com muito mais força e velocidade, o que, para a medicina, é algo inexplicável”.

O jogador está na UniversaI há 14 anos. É casado com Pamela Caldeira, de 25 anos. Ele e a esposa moram na Itália e Romulo joga pelo Hellas, em Verona. O atleta já passou pela Juventus e pela seleção italiana.

No Brasil, ele já vestiu a camisa da Chapecoense, do Atlético Paranaense e Cruzeiro. Ele relata que sua vida é abençoada em todas as áreas. “Dizem que todo jogador é mulherengo. Mentira. Casei com minha esposa quando tinha 22 anos e ela tinha só 17 anos e nunca tive outra mulher na minha vida. Nos casamos virgens, também por conta dessa fé, e temos colhido os frutos dessa escolha, que é a felicidade”, finaliza.

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Colaborador

Por Eduardo Prestes e Maiara Máximo / Fotos: Folhapress, AFP, Cedidas e Reprodução/facebook / Arte: Eder Santos