'Nada a Perder': um filme que incomoda muita gente

Reportagens usam dados manipulados sobre a lotação das salas de cinemas nas sessões do longa para espalhar o preconceito

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A primeira semana de exibição do filme Nada
a Perder
, que estreou dia 29 de março, foi marcada por cinemas
lotados e elogios do público (informação que
o R7 foi um dos poucos a
mostrar
). Porém, foi marcada também por uma campanha
depreciativa de parte da imprensa, ecoada por quem enxerga tudo através das
lentes de seu preconceito. Para essas pessoas, do alto de sua ignorância,
qualquer coisa que envolva o nome Edir Macedo ou Igreja Universal deve
necessariamente ser ruim.

Isso ficou claro na cobertura da
imprensa brasileira, capitaneada pelos jornais O Globo, do Rio de Janeiro, e O
Estadão, de São Paulo. Os dois fizeram praticamente a mesma reportagem no dia
da estreia do filme. E quando digo “praticamente a mesma”, chamo atenção para
uma infinidade de “coincidências” nos dois textos, desde o posicionamento, os
dados levantados, até as redes de cinema (ambos visitaram um Espaço Itaú e um
Cinemark), a escolha de palavras e a conclusão a que tentam fazer o leitor
chegar. A tentativa de manipulação é tão descarada (assim como o fato de que os
dois receberam a mesma pauta encomendada) que não é possível que eu tenha sido
a única a notar.

A estratégia é a mesma utilizada
na época do lançamento do filme
Os Dez Mandamentos. Na
ocasião, escrevi um artigo chamado
Os cinemas vazios do UOL,
mostrando a manipulação de fatos para criar a mentira de que os números da
pré-venda não eram reais. Quem foi assistir ao filme tirou fotos para mostrar a
lotação das salas de cinema, provando que o argumento da imprensa era falso. É
claro que nem sempre todos os lugares estavam ocupados (estranho seria se
estivessem, em todas as sessões, em todos os cinemas), mas muitas salas lotaram
e a imprensa simplesmente ignorou. A mesmíssima coisa aconteceu agora. Os
repórteres ignoraram tanto as salas que lotaram quanto o desmentido de dois
anos atrás e continuam citando a fake news velha como se fosse verdade.

Uma fonte me contou que repórteres
estavam tirando fotos antes do cinema encher, para “provar” o argumento de que
havia lugares vazios no cinema — e não correr o risco de ter que encontrar um
cheio e prejudicar a defesa da pauta. Eu até poderia mais uma vez mostrar fotos
reais de sessões lotadas, porém, o buraco é mais embaixo. Não é uma questão de
lotação das salas ou de contar lugares vagos. As perguntas certas são: ainda
que estivessem corretos, esses dados provariam o que dizem provar? E por que os
jornalistas estão agindo como fiscais de bilheteria apenas para o
Nada
a Perder
? Por que não fazem isso com nenhum outro filme? Qual é a
real motivação?

Usam como desculpa para essa “nova investigação” a “denúncia” de
que os ingressos para o filme
Os Dez Mandamentos teriam
sido comprados pela própria Igreja Universal. Temos dois problemas aqui. O
primeiro é que essa denúncia foi feita por eles mesmos dois anos atrás. Em
outras palavras, eles criaram o factóide (popularmente chamado de fake news) em
2016 e, dois anos depois, usam essa mesma fake news para justificar a confecção
de uma nova fake news. Genial! Raciocínio circular, já mostrando, desde o
início, que as reportagens não têm fundamento algum. Mas vamos em frente,
porque os problemas não param aí. O segundo problema é que as reportagens
partem do pressuposto de que contar os assentos vagos em uma sala de cinema
poderia comprovar a denúncia feita, o que não é verdade.

O engano desse tipo de matéria
está em tentar relacionar um dado — algumas sessões terem pouca gente — a outro
— 4 milhões de ingressos terem sido vendidos na pré-venda — mesmo sendo
impossível fazer essa relação. O que o repórter não informa ao leitor é que ele
parte de uma premissa falsa — a de que a ausência de lotação em cinco salas num
universo de mais de 1.100 seria prova de que os ingressos de pré-venda não
foram comprados por pessoas reais, e sim pela instituição, para inflar os
números. Não há dados suficientes para se fazer uma afirmação dessas, exceto na
cabeça confusa e preconceituosa de quem espalha esse tipo de coisa.

Os ingressos vendidos para a
pré-venda não foram vendidos apenas para o dia da estreia. Logo, os 4 milhões
de ingressos foram distribuídos pelos dias de exibição do filme e, assim, a
lotação do primeiro dia não diria absolutamente nada sobre o destino dos
primeiros 4 milhões de ingressos. Então, para começar, se a ideia era provar a
tal “denúncia” a ida ao primeiro dia para contar cadeirinhas vagas no cinema
seria uma atividade bem inútil. Seria necessário descobrir para quais dias os 4
milhões de ingressos da pré-venda foram vendidos e rastrear esses ingressos em
meio aos ingressos comprados pós-estreia. O problema é que isso é impossível.

Outro ato falho foi usar uma amostra totalmente inválida. A
reportagem do Estadão visitou apenas dois cinemas. No Itaú, conferiu apenas uma
sessão (eram 14 sessões por dia). No Cinemark, o repórter não dá o número de
pessoas que assistiram às duas sessões que ele visitou nem o número de sessões
do dia (O curioso é que uma delas era às 20h20 e outra às 20h40 e a matéria foi
publicada às 20h53, será mesmo que ele ficou até o filme começar, para contar
os lugares vagos?).

Juntos, os dados levantados pelo
Globo e Estadão são: cinco salas em quatro cinemas, concentradas em dois
grandes centros. Os cinemas visitados no Rio, para piorar, ficavam no mesmo
bairro. Repito, o universo sobre o qual eles deveriam falar era composto de
mais de 1.100 salas de cinema espalhadas por todo o Brasil e eles foram em
apenas CINCO em DUAS cidades. Amigo, tente fazer uma pesquisa com esses dados
em qualquer instituto de pesquisa sério e você será escorraçado. Porque,
fazendo o cálculo, cinco salas em 1.109 (usando o número divulgado pelo O
Globo), dá 0,49%. E, ainda que fosse um percentual alto, essas salas e horários
representam de fato todo o público do filme? Ou foi somente uma amostra
escolhida a dedo para fabricar a matéria da forma que desejavam? Em
estatística, esse tipo de informação tem o sugestivo nome de “amostra não
representativa”. Em jornalismo, o nome é manipulação de dados. O repórter
escolhe os dados que aparentemente confirmariam o que ele quer dizer e afirma —
enganosamente — que representam o todo.

Gosto de como o clássico livro Como
mentir com estatística
, de Darrel Huff, explica isso: “Se você
tem um barril de feijões, alguns pretos e outros brancos, só há uma maneira de
descobrir exatamente quantos grãos de cada cor você tem: contá-los. Porém, você
pode descobrir de um modo muito mais fácil a quantia aproximada de feijões
pretos: pegando um punhado de grãos, contando apenas os pretos e calculando que
a proporção será a mesma no barril todo. Se sua amostra for grande o bastante e
escolhida de forma apropriada, representará bem o barril todo para a maioria
dos propósitos. Se não for, poderá ser muito menos precisa do que qualquer
estimativa inteligente, sem nada que a torne confiável além do ar falso de
precisão científica. A triste verdade é que as conclusões a partir dessas amostras,
sejam elas tendenciosas, reduzidas demais ou as duas coisas, estão por trás de
grande parte daquilo que lemos ou achamos que sabemos”. O livro foi
escrito mais de cinquenta anos atrás e já fala desse tipo de fake news… de lá
para cá, a situação da imprensa tendenciosa só se agravou.

Aliás, a Folha de São Paulo também
publicou, alguns dias depois, uma reportagem com exatamente a mesma pauta das
publicadas no dia 29 (e — coincidência — visitou um Itaú e um Cinemark…mas
também foi ao Kinoplex). Enviou seus fiscais de bilheteria seletiva para ver
quantas pessoas estavam por lá, porém foi um pouquinho mais honesta: confessou
ter conversado com muitas pessoas que compraram o ingresso, disse que outras
pareciam ter ido em grupos e também admitiu: “Mas não é possível saber
quantas pessoas assistiram a
Nada a Perder — não há
controle, nas redes UCI, Playarte e Itaú, de quantos pagantes de fato
assistiram às sessões. A Cinemark não respondeu” (opa, é impossível saber?
Por que as outras reportagens se esqueceram de mencionar esse “detalhe”?).
Temos que ser honestos, desta vez a Folha tentou fazer jornalismo — dentro dos
limites impostos pela pauta, é claro. E se não é possível saber quantas pessoas
não foram, é mais impossível ainda saber o porquê da ausência das que não
foram.

Eu e meu marido compramos quatro
ingressos na pré-venda, um para o dia da estreia e outro para a semana
seguinte. Assistimos à estreia e tive que comparecer a uma consulta médica no
horário dos nossos outros ingressos. Como a compra foi feita com um desconto
que era intransferível, não pudemos sequer doar nossos ingressos. Aí imagino o
coleguinha alçado ao posto de fiscal de bilheteria contando os assentos vazios
e encontrando os nossos por lá: “olha só, esses dois com certeza ganharam ingressos
do pastor e não vieram” ou “ih, esses ingressos com certeza foram comprados
pela igreja para inflar os números” (sim, falam com muita certeza sobre tudo,
pois quem tem preconceito não cogita outra coisa senão o seu próprio
preconceito) — enquanto eu e meu marido estávamos na fila do ortopedista.
Chegar a uma “conclusão” sem dados concretos é isso aí. Ridículo, por favor.

Impressiona como, sem nenhuma
prova, com dados manipulados, esse tipo de reportagem conseguiu encravar na
cabeça de alguns que “a Igreja Universal comprou todos os ingressos para
parecer que eles esgotaram, mas os cinemas estavam vazios”. Com evidências
falsas. Outro livro,
A arte de fazer um jornal diário,
do jornalista Ricardo Noblat, descreve claramente como funciona, consciente ou inconscientemente,
esse processo: “Acreditamos no que queremos acreditar, essa é que é a
verdade! E, diante de uma história que nos pareça tão boa, tudo fazemos para
acreditar nela. Queremos que seja verdadeira — e por isso saímos atrás de
indícios que a confirmem. Não saímos atrás de indícios que provem sua
veracidade ou que simplesmente a neguem. Ficamos cegos com muita frequência
diante de indícios que põem a história em dúvida.”

O autor afirma, em outro trecho do livro: “Denúncia não é
notícia. Notícia é a denúncia com fundamento”. Parece que os colegas
jornalistas se esqueceram desse detalhe e caíram na armadilha de sair atrás de
“indícios” que confirmem aquilo que foram orientados a confirmar. Quando o
repórter já tem um preconceito e recebe uma pauta com viés pré-determinado, é
muito difícil escapar dessa armadilha. Se o interesse fosse realmente apurar
uma denúncia real (não é o caso, pois — repito — a denúncia foi fabricada por
eles), teriam que ir a vários cinemas, em diferentes horários, durante vários
dias, com diferentes públicos e mostrar também as salas que ficaram lotadas.
Não o fizeram. Jamais o fazem.

A questão é a motivação por trás
dessas reportagens. Qual era o interesse? Não é apurar uma notícia (até porque,
desde quando o fato de ter algum lugar vazio em uma sala de cinema é notícia?
Já viu esse tipo de reportagem no lançamento de qualquer outro filme?). A
motivação é distribuir os óculos do preconceito aos leitores. Espalhar a ideia
de que membros da Universal não são capazes de fazer suas próprias escolhas —
ou sequer comprar seus próprios ingressos para o cinema. E a ideia de que um
conteúdo que tenha como tema Igreja Universal ou Edir Macedo não seria de interesse
de ninguém.

Um esforço intenso tem sido feito na esperança de
descredibilizar o filme e fazer com que as pessoas transfiram para ele o
preconceito que têm contra a Igreja Universal, e uma horda de papagaios repete,
sem raciocinar, aquilo que repórteres escreveram também sem raciocinar. A lista
de veículos envolvidos nesse esforço desesperado não para de crescer: O Globo,
Estadão, Folha, Exame, Veja, entre outros menores.

Mais recentemente, esses
argumentos foram “reforçados” pelo depoimento de um rapaz que teria sido
abordado por uma senhora desconhecida no shopping e recebeu dela um ingresso.
Já envenenado pela interpretação da mídia, ele sequer cogitou a hipótese de ter
sido iniciativa daquela senhora. Na imaginação dele, ela representava a Igreja
e a intenção era encher cinemas vazios. Atestado de ignorância, é claro, mas
ecoado pela revista Veja, que, mesmo depois de apurar e ouvir da Universal que
essa ação não havia partido da Igreja, publicou a opinião do rapaz com cara de
“denúncia”.

Vamos apurar direito, coleguinhas?
Como podem publicar a matéria sem antes entender o comportamento do segmento?
Comprar livros para doar a parentes, amigos e até desconhecidos é prática comum
não só entre membros da Universal, mas de várias outras igrejas (já vi uma senhora
na livraria com uns dez exemplares do livro de um padre, dizendo que gostou e
estava comprando para doar), a pessoa quer para os outros o que fez bem para
ela. É natural que isso aconteça com relação aos ingressos do filme. E me enoja
ver quem recebe ingressos (comprados com esforço e doados com amor) e enxerga
nisso uma “comprovação” de fake news. Mas a culpa é da irresponsabilidade de
quem, tendo o papel de informar, apenas espalha e alimenta preconceito.

Em uma das cenas do filme, três
personagens confabulam em uma sala: um representante do poder judiciário, um
representante do poder religioso dominante e um representante do poder
midiático. Eles discutem como parar o desenvolvimento do trabalho do
protagonista, porque aquela igreja crescia longe do sistema viciado dominado
pelos grandes poderes. Então, decidem usar a imprensa para criar factóides e
descredibilizar o trabalho. O que aconteceu na mídia durante esses primeiros
dias de exibição do longa só me prova que o que o filme mostra é o que acontece
de verdade, nos bastidores do sistema apodrecido que se aproveita dos
preconceituosos de plantão para espalhar seu veneno. Tudo isso é para tentar
desencorajar as pessoas a irem ao cinema? Tudo isso é para evitar que elas
vejam como se fabrica uma notícia? Se for, falta um pouquinho mais de esforço
para, pelo menos, não subestimar a inteligência de quem não tem preguiça de
pensar.

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Colaborador

Por Vanessa Lampert / Foto: Divulgação