Juventude vítima da violência

A cada ano cresce o número de jovens que ingressam na criminalidade. Veja o que está sendo feito para mudar esse cruel panorama brasileiro

Imagem de capa - Juventude vítima da violência

Uma pesquisa divulgada recentemente pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) relata a mortandade da juventude brasileira. O Atlas da Violência traz dados sobre a vitimização letal de jovens, em um processo gradativo que ocorre desde os anos 1980. Se, naquela década, o pico da taxa de homicídios era aos 25 anos, hoje, é aos 21 anos. Ou seja, o número de mortes vem crescendo e atingindo os jovens cada vez mais cedo.

Apesar de os dados refletirem uma situação que vem sendo denunciada há bastante tempo por organizações não governamentais de direitos humanos e movimentos sociais, ainda existem dificuldades na criação e implementação de um plano nacional de redução de homicídios.

Nesse contexto, segundo a pesquisa, relega-se à criança e ao jovem em condição de vulnerabilidade social um processo de crescimento pessoal sem a devida supervisão e orientação e a um ensino de má qualidade.

Consequências

Quando considerada apenas a população jovem masculina, ela representa mais de 92% dos homicídios. Além disso, de cada 100 pessoas vítimas de homicídio no Brasil 71 são negras. O estudo afirma que o cidadão negro possui chances 23,5% maiores de morrer assassinado em comparação aos de outras raças. Ao calcular a probabilidade de cada cidadão sofrer homicídio, a conclusão é de que os negros respondem por 78,9% dos indivíduos pertencentes ao grupo dos 10% com mais chances de serem vítimas fatais.

Ainda segundo a pesquisa, o drama da juventude está dividido em duas partes. Primeiro, a perda de vidas humanas; e segundo, a falta de oportunidades educacionais e laborais, o que a condena a uma vida de restrição material e de inexistência social, o que também a impulsiona à criminalidade. Também como consequência das disparidades sociais, muitos jovens que se envolvem com o crime têm de cumprir medidas socioeducativas em instituições para menores destinadas à recuperação deles.

As instituições

Para Christian Lopes de Oliveira, de 44 anos, diretor de uma das unidades socioeducativas que fazem parte do complexo da Fundação Casa do bairro de Vila Maria, em São Paulo, existe muito preconceito em relação aos jovens que estão nas unidades e também com os profissionais envolvidos com esse trabalho.

Há 16 anos atuando na Fundação, ele diz que a maioria das pessoas desconhece o que é feito lá. “Muitos dizem que a instituição é uma escola para o crime. Elas fazem relação com a antiga Febem. Doze anos atrás, a Fundação fez a implantação de novas diretrizes e, além do nome, também mudou uma série de condutas, descentralizou as unidades e criou complexos menores com uma quantidade pequena de adolescentes, o que tem facilitado esse trabalho. Com um número menor você consegue se aproximar dos adolescentes para tentar fazer com que eles mudem sua conduta.”

Christian reconhece que não se trata de um trabalho fácil, pois muitos dos jovens que chegam ali estão envolvidos com a criminalidade e têm dificuldade de abrir espaço para essa nova visão. “Se, antigamente, os jovens se envolviam com roubos e assaltos, hoje, muito cedo, eles estão mais envolvidos com o tráfico de drogas. Muitos deles não têm a referência familiar, faltam o pai, a mãe e o traficante acaba assumindo esse papel. Os jovens têm dificuldade de se livrar disso”, explica.

Para facilitar esse caminho, Christian conta que existe uma agenda de atividades diárias que os jovens devem cumprir dentro da instituição. “Começa às 7 da manhã e vai até as 9 da noite. Nós temos a escola formal com professores da rede pública de ensino que lecionam aqui e há uma parte cultural realizada por uma organização não governamental. Temos profissionais de educação profissional e psicólogos e assistentes sociais que buscam entender a história de cada jovem e desenvolvem um plano individual de atendimento que é revisado a cada três meses com o Poder Judiciário.”

Parceria forte

Entre as parcerias firmadas para atender os jovens, o diretor destaca o trabalho voluntário que é realizado pela Universal. “A Igreja entra como uma referência espiritual e vejo que ela tem com essas ações uma devolutiva boa de jovens. Alguns que já tentaram inclusive fugir aproveitando alguma atividade externa, por exemplo, hoje podem participar delas sem a desconfiança de que tentarão fazer isso novamente. Eu vejo adolescentes que são multirreincidentes dentro da Fundação mudarem por completo depois que conhecem esse trabalho”, observa.

O diretor analisa que houve uma mudança também de tratamento dos voluntários da Universal em relação aos menores. “Antes, se observava que a forma para chegar nos jovens era mais incisiva por parte de quem realizava esse trabalho, o que acabava os afastando. Isso mudou e acredito que o resultado é melhor. Também já vi como a Universal acolhe as famílias dos jovens e propicia um momento de alegria a elas quando fazem contato com esse trabalho”, conta.

O futuro é agora

Para o pastor Ulisses Gomes (foto ao lado), de 40 anos, responsável pelas ações evangelísticas da Universal dentro das instituições para menores que cumprem medidas socioeducativas no Brasil e em outros países, essa mudança na abordagem tem uma razão de ser. “O perfil de jovens encontrados nas instituições é muito parecido. Estão em vulnerabilidade social, muitos sem estrutura familiar e completamente desorientados. Por isso, o nosso trabalho também teve que mudar para fortalecer a base desses jovens para que futuramente não se tornem criminosos”, revela.

No entanto, para o pastor Ulisses, o futuro é agora e as ações têm que ser tomadas imediatamente. “O trabalho tem a intenção de recuperar a vida desses jovens. Se a trajetória que os levou para o caminho do crime não for alterada drasticamente, estarão fadados a entrarem para as estatísticas de mortandade. Mas nós estamos determinados a ampliar esse trabalho em todos os Estados brasileiros e também fora do Brasil. Hoje, só em São Paulo, temos 13 pastores para esse trabalho. No Brasil, o total é de 47 pastores. Só neste ano, atendemos mais de 400 adolescentes que já saíram das fundações e foram para a Universal e estamos abrindo esse trabalho também no Uruguai”, diz.

Ações da Universal

Assim como em todo o País, nas unidades da Fundação Casa, por exemplo, o trabalho da Universal também é feito com meninas que cumprem medidas socioeducativas. Com visitas periódicas às instituições, pastores e voluntários fazem palestras, distribuem livros de cunho cristão e, na medida do possível, propiciam, com o aval das instituições, passeios orientados pela Universal. O mesmo processo ocorre com os rapazes.

Atividades que incluem teatro e futebol são usadas para evangelizar e tentar modificar os pensamentos e a conduta deles. O vendedor autônomo Walter Fossaluzza (foto ao lado), de 47 anos, está há 26 anos na Universal e há 12 realiza trabalho voluntário. “Faz uns quatro anos e meio que começamos a utilizar o futebol. Toda quinta-feira, às 19h30, e aos domingos, às 15h, vamos a alguma unidade da Fundação Casa para essa atividade. Cada um do nosso grupo é voluntário de alguma Universal e dispõe do seu tempo para encontrar esses rapazes. Os próprios meninos pedem isso”, conta.

Walter afirma que nunca aconteceu nenhuma briga em todo esse período em que eles receberam a liberação da Fundação para realizar essa atividade. “Nunca teve confusão ou bate-boca e olha que não tem juiz apitando o jogo. Ao chegar e ao sair realizamos orações com eles. Tentamos fazer que eles entendam que Deus existe e que, ao contrário do que muitos deles pensam, não é preciso se tornar um fanático religioso para crer nisso. Basta que eles percebam que é possível estabelecer uma parceria com Deus tendo disciplina”, explica.

O futebol que acontece nos fins de semana é feito em algumas unidades junto com o teatro. O motorista Adailton Pereira dos Santos, de 45 anos, é voluntário dessa atividade há quase duas décadas. “Uma das coisas que me levaram para a Universal foi o teatro. Eu sempre gostei e um dia fui convidado para assistir a uma peça que falava sobre a vida de Jesus. Me tornei membro da Igreja e hoje realizo esse trabalho com os jovens com a intenção de evangelizá-los”, comenta.

Ele acredita que, assim como o teatro o ajudou a crer na existência de Deus, o mesmo pode acontecer com os adolescentes e mudar a vida deles. “Temos um grupo de 35 pessoas. Apresentamos peças cristãs, no mínimo, quatro vezes por mês. Também vamos nos feriados. Agora estamos apresentando a Parábola do Filho Pródigo e não é por acaso que muitos jovens se identificam com o tema: muitos deles se envolvem com as drogas e o crime e deixam suas famílias de lado. Depois, os jovens começam a conversar sobre o que viram. O teatro é um atrativo para baixarem a guarda e fazer com que percebam que podem mudar”, afirma.

Exemplos da mudança

O jovem amazonense Lucas José Pereira Amaral (foto ao lado), de 21 anos, poderia constar das estatísticas de mortes de jovens, se não fosse o trabalho da Universal em sua vida. “O meu pai era traficante e morreu quando eu tinha 7 anos. Com 9, eu já cheirava cocaína e fumava maconha. Cheguei a usar gasolina, tíner e cola de sapateiro. Além disso, eu traficava. Usei tanta droga que fiquei doente e tive que passar por mais de uma cirurgia no estômago”, relata.

Lucas diz que a primeira vez que passou por um centro socioeducativo em Manaus foi quando tinha 10 anos. Entre idas e vindas foram três anos dentro da instituição. “Me pegaram por assalto à mão armada. Mesmo lá dentro eu queria fugir e voltar a vender drogas. Ouvia a Rádio Aleluia, mas ainda assim não tinha força para mudar. Uma obreira me falava do trabalho da Universal e quando saí tive a curiosidade de conhecer a Igreja. Fiz parte do Força Jovem e aos poucos a minha visão sobre a vida foi mudando. Me libertei dos vícios, deixei velhas amizades e mudei para uma nova cidade. Decidi que queria ser obreiro. Recebi esse convite com 18 anos. Hoje sou pastor auxiliar. Minha família não esperava por isso, mas hoje até meu tio faz parte da Obra influenciado por mim. Quando encontrei a obreira que evangelizava na instituição para menores, há um tempo, ela ficou surpresa com a minha mudança”, detalha.

Outro que poderia estar morto é o carioca Mateus da Silva dos Santos (foto abaixo), de 20 anos. Negro, pobre e morador de comunidade, ele se enquadra perfeitamente no perfil de maior vulnerabilidade citado na pesquisa do Ipea.

Ao se envolver muito cedo com o tráfico de drogas, ele passou um período de sua vida em centros socioeducativos no Rio de Janeiro. “Com 14 anos entrei para o tráfico. Fui preso duas vezes. Participei de guerra no morro e tenho estilhado de 762. Eu era viciado em lança-perfume e haxixe. Conheci o trabalho quando já estava no regime semiaberto e participei de uma vigília da Universal.” Quando saiu, ele diz que chegou até a pensar em assaltar uma Igreja. “Mas o meu pensamento foi se modificando. Hoje, sou pastor auxiliar e até minha avó e minha mãe agradecem pelo fato de a Universal fazer parte da minha vida”, conclui.

A Universal mantém diversos projetos sociais e, por meio de seus voluntários, atua em vários setores da sociedade, com o objetivo de levar auxílio emocional, psicológico, material e, sobretudo, espiritual aos que necessitam, em asilos, orfanatos, hospitais, presídios, comunidades, entre outros locais.

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Colaborador

Por Eduardo Prestes / Fotos: Fotolia, Marcelo Alves, Erik Teixeira e Cedidas / Arte: Edi Edson