Automedicação traz riscos à saúde

Sete em cada dez brasileiros tomam remédio por conta própria, mas poucos conhecem os perigos dessa prática. A cada 60 minutos, três pessoas são intoxicadas pelo uso incorreto de medicamentos

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Comprimidos para dor de cabeça, dor muscular, acidez estomacal, cólicas e resfriado. Esses eram alguns dos itens que Raquel de Sousa, de 24 anos (foto abaixo), fazia questão de ter sempre na bolsa. Os produtos formavam uma espécie de “farmácia particular”. A jovem revela que tomava remédios para dor de cabeça por conta própria todos os dias. O hábito teve início em 2010, quando ela começou o curso técnico em enfermagem.

“Eu sentia muita dor de cabeça. Com o curso, fui aprendendo muitas coisas sobre medicamentos e achava que sabia tudo. Tomava analgésicos sem receita”, lembra. Raquel explica que usou vários medicamentos à base de dipirona sódica, muito conhecidos do público por meio de comerciais de TV. “Conforme eu ia tomando, meu organismo se acostumava e o remédio já não fazia efeito. Então, eu mudava para outro mais forte, sem me preocupar com o que poderia acontecer”, diz. Ela admite que conhecia os riscos da automedicação. “Eu queria evitar qualquer tipo de dor. Eu tinha muita cólica menstrual e tomava dois e até três comprimidos seguidos.”

Em 2015, Raquel descobriu que estava com um mioma uterino. A notícia levou a jovem a repensar o uso excessivo de medicamentos. “Quando descobri que estava com mioma, a médica disse que talvez fosse necessário fazer cirurgia para tirar o útero. Nesse momento, fortaleci minha fé e fiz um propósito com Deus para superar esse problema”, relata ela, que decidiu deixar de se automedicar. “Coloquei os comprimidos em um saco e joguei fora. A primeira semana foi a mais difícil, vinham dores fortes de cabeça, ânsia, mas eu sabia que os remédios estavam me fazendo mal e que eu poderia ter efeitos colaterais por misturar tantas medicações”, conclui ela, que não precisou fazer cirurgia e hoje vai ao médico antes de usar qualquer remédio.

Hábito

Uma pesquisa do Instituto de Ciência, Tecnologia e Qualidade (ICTQ) indica que sete em cada dez pessoas no País se automedicam. Dessas, 47% pedem indicação de remédios a familiares, colegas e vizinhos. Além disso, 40% usam a internet para fazer o próprio diagnóstico, segundo dados de 2016. O estudo mostra que os medicamentos mais consumidos por conta própria são analgésicos (48%), anti-inflamatórios (20%), antialérgicos (13%), antibióticos (8%) e ansiolíticos (3%). O levantamento foi feito com 2.340 pessoas em 16 capitais de todas as regiões do País.

“Muitas pessoas usam um medicamento para combater um sintoma, como dor e febre, sem saber a origem do problema. O quadro de saúde pode se agravar se a pessoa tomar um medicamento errado ou uma dose incorreta”, avalia Roberto Debski, psicólogo, médico clínico-geral e especialista em medicina integrativa. Ele explica que uma dor de cabeça pode ter diversas causas, desde cansaço até tumor cerebral. Com tantos diagnósticos possíveis, é arriscado se automedicar sem consultar um médico.

Debski destaca ainda que não se deve pedir indicação de remédios a familiares e amigos. “Dores semelhantes podem ter origens diferentes. Além disso, o médico prescreve uma medicação e dosagem específica para cada caso.”

Riscos

A automedicação é perigosa. Só em 2015, o Brasil registrou 24.549 casos de intoxicação por medicamentos, segundo dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox). Isso significa quase três pessoas intoxicadas a cada hora pelo uso incorreto de remédios. No mesmo ano, foram 28 mortes.

Debski lembra que o uso incorreto de remédios pode provocar efeitos colaterais, como dores abdominais, alergias e diarreia, e até comprometer o funcionamento de órgãos, como o fígado e os rins. Pessoas que tomam vários medicamentos, ainda que sob indicação médica, também devem ficar atentas. “A pessoa deve avisar ao médico quais medicamentos ela usa, pois pode haver interação medicamentosa, o que representa um risco adicional às patologias que ela já tem”, alerta.

O médico indica que para manter a saúde o ideal é ter um estilo de vida saudável e evitar a automedicação. “É importante garantir uma alimentação balanceada, dormir bem, manter o equiíbrio emocional, fazer exercícios físicos, não fumar, evitar álcool e fazer acompanhamento médico”, conclui.

Fuga

Claudia Patricia da Silva, de 36 anos (foto abaixo), conta que começou a tomar calmantes por conta própria em 2013, para tentar aliviar o estresse gerado por problemas no casamento. “Eu vivia um relacionamento conturbado, não conseguia me entender com meu marido. Por conta própria, comprava, na farmácia, remédios para dormir”, diz.

Ela conta que, aos poucos, foi se tornando cada vez mais triste. “Sentia vontade de morrer. De manhã, tomava dois ou até três comprimidos e deitava para dormir, era algo insuportável. Saía na rua e tinha a sensação de que alguém iria me perseguir ou me fazer mal.”

Um ano depois, Claudia Patricia procurou uma psiquiatra por causa de fortes dores na cabeça. Foi diagnosticada com síndrome do pânico e depressão. “Contei sobre meu dia a dia e meus medos. Ela me receitou um antidepressivo, achei que era como os calmantes que eu usava. Quando tinha uma emoção mais forte, tomava dois comprimidos para apagar”, explica.

Apesar do acompanhamento com especialista, Claudia Patricia diz que a tristeza não passava. Ela se separou do marido em 2014 e mudou de cidade e de médica. A saúde, entretanto, continuava debilitada e ela havia engordado vários quilos. “Mesmo com o remédio e as consultas, eu continuava querendo morrer. Tentei deixar o remédio, mas meu organismo estava dependente, eu sentia mal-estar. Não queria tomar aquele remédio a vida inteira e, por isso, procurei ajuda espiritual na Universal.”

Ela conta que passou a participar das reuniões da Universal em 2016. “Comecei a buscar a palavra de Deus, a fazer orações e o desejo de morrer foi sumindo. Antes, eu era muito pessimista. Na Universal, desenvolvi o otimismo e fortaleci meu espiritual. Acredito que posso ter um futuro bom”, resume ela, que não toma mais antidepressivos.

Claudia Patricia garante que sua vida está completamente diferente. Hoje, ela trabalha na empresa de bolos da irmã em Rio Branco (AC) e sonha em ter o próprio negócio. “Acordo cedo todos os dias, vou à academia e perdi 17 quilos desde que deixei o medicamento. Melhorei minha alimentação, estou feliz e tenho muita fé”, conclui.

Problema espiritual

O bispo Eduardo Ribeiro, responsável pelo Grupo da Saúde da Universal (foto abaixo), destaca a importância de investigar a origem de dores e sofrimentos antes de comprar remédios por conta própria. “O primeiro conselho para quem usa remédio sem orientação médica é parar com esse hábito. Em seguida, procurar assistência médica para ter seu problema de saúde corretamente diagnosticado e tratado”, sugere. O Grupo da Saúde oferece auxílio espiritual a pessoas enfermas, familiares e profissionais de saúde.

Segundo o bispo, outro problema da automedicação é o risco de ocultar problemas espirituais. “O uso de remédios para tratar problemas espirituais não passa de paliativo, que leva as pessoas a gastarem grandes quantidades de dinheiro em medicamentos que serão incapazes de resolver definitivamente o seu problema.

O problema de saúde de origem espiritual só pode ser resolvido com o uso da fé no Senhor Jesus Cristo, conforme está escrito na Palavra de Deus”, defende.

Alergia

Até os remédios indicados por médicos podem gerar reações alérgicas. Foi o que aconteceu com a estudante Maíra Mateluna, de 18 anos, em meados de 2016. Na época, ela sofria com muitas cólicas e sua médica indicou um medicamento à base de ibuprofeno para aliviar os sintomas. Após usar o comprimido pela segunda vez, Maíra passou a ter inchaço na região das pernas e nádegas. “Foram duas semanas com sintomas. No início, parecia apenas um inchaço, doía um pouco e a região ficava vermelha. Depois, comecei a ter manchas nas pernas e elas ficavam quentes e eu tinha dor de cabeça também, até o dia em que não consegui levantar da cama”, conta.

Ela foi ao pronto-socorro e fez exames, mas o problema não foi detectado. Depois, foi transferida ao Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo (SP). “Fiquei internada quatro dias, três deles sem andar e sem dormir. Com observações e exames, os médicos concluíram que eu sou alérgica a ibuprofeno.”

Mesmo após o diagnóstico, Maíra explica que a recuperação total levou quase dois meses. “Fiquei uma semana sem ir à escola. Não podia subir escadas, fazer exercícios e tinha dores nas articulações.” Depois disso, Maíra afirma que mudou sua forma de agir. “Antes, eu tomava remédio para dor de cabeça, para rinite alérgica. Hoje, evito me automedicar e sempre leio a bula, pois muitos medicamentos têm ibuprofeno”, finaliza.

Excesso de remédios

É fácil encontrar uma pessoa com um remédio na bolsa ou na mochila. E a publicidade ajuda a incentivar o uso de medicamentos sem receita, como se eles fossem artigo de primeira necessidade.

Algumas famílias mantêm até estoques de medicamentos em casa. Muitos pais e mães assumem o papel de médicos e receitam remédios a seus filhos. Quase ninguém desconfia dos riscos causados pela automedicação. Tratar um sintoma sem conhecer a origem pode significar até uma sentença de morte. O uso de antibióticos sem acompanhamento médico é uma ameaça global, pois isso ajuda a aumentar o número de bactérias super-resistentes, capazes de sobreviver até ao remédio mais forte disponível no mercado.

A busca de comprimidos para aliviar crises emocionais também é sinal de uma sociedade que não está dando atenção aos novos desafios. Mas uma coisa é certa: não existe pílula mágica. Será que a ansiedade não poderia ser tratada com mudanças no ritmo de vida? O colesterol e a pressão alta não seriam controlados com alimentos naturais e a diminuição do consumo de produtos industrializados? Por que não valorizamos a presença de amigos, as reuniões familiares e os momentos de lazer como parte de uma vida saudável? Será que os remédios são a solução para todos os nossos problemas?

*Colaborou: Rafaella Rizzo

Riscos da automedicação

Efeitos colaterais

Quem usa remédio por conta própria pode sofrer com problemas como distúrbios gastrointestinais, cefaleia, alterações no metabolismo, entre outros.

Esconder doenças mais graves

Ingerir medicamento sem receita pode até ajudar a aliviar sintomas como dores e febre, mas é importante investigar a origem do problema. Uma dor de cabeça, por exemplo, pode significar cansaço, problemas de visão, estresse e até câncer.

Prejudicar fígado e rins

O uso constante de alguns medicamentos, principalmente sem prescrição médica, pode afetar o funcionamento desses dois órgãos e levar a problemas graves como intoxicação e insuficiência renal.

Ajudar na proliferação de bactérias mais resistentes

O uso de antibióticos em tempo menor que o adequado ou em dosagem incorreta pode levar as bactérias a criar resistência ao remédio, o que gera até risco de morte ao paciente.

Alterar o resultado de um tratamento

Pessoas que usam remédios por conta própria associados a medicamentos prescritos por médicos correm o risco de sofrer com os efeitos das interações medicamentosas, quando um medicamento pode inibir ou alterar a ação de outro.

Dependência

Algumas substâncias presentes em medicamentos têm potencial de provocar dependência. Por isso, o uso de remédios deve ser feito sempre sob orientação de um médico.

Fontes: Anvisa, Ministério da Saúde, Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox), doutor Roberto Debski e Organização Mundial da Saúde (OMS)

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Colaborador

Por Rê Campbell*/ Fotos: Demetrio Koch e Marcelo Alves