A responsabilidade também é sua

O que falta para que os crimes de trânsito não sejam considerados meros acidentes no País?

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Imagine um mundo sem mortes no trânsito. O programa Visão Zero, da Suécia, é um bom exemplo de que isso pode ser possível. O país registra 3 mortes por 100 mil habitantes e a abordagem de segurança viária considera as falhas humanas, reforça os limites de velocidade e o desenho urbano. Mas o Brasil ainda mantém o foco no comportamento nas estradas e não nos erros do sistema.

Segundo o artigo 6 da Política Nacional de Mobilidade Urbana (12.587/2012), os transportes não motorizados têm prioridade sobre os motorizados, assim como os serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado. Porém, a realidade é diferente. Uma pesquisa do Datasus, de 2016, aponta que o número de pedestres mortos no Brasil em acidentes foi de 8.220 e 1.348 ciclistas. Cerca de 32 ciclistas são internados por dia, o que custa R$ 14,3 milhões ao Sistema Único de Saúde. Será que investir em conscientização no trânsito e em educar a população para respeitar as regras viárias e prevenir acidentes teria um custo tão alto?

Renata Falzoni, cicloativista e idealizadora do site Bike é Legal, defende que o erro está no sistema social. “Precisamos rever a forma como nos relacionamos. Devo aceitar ser atropelado a qualquer momento? Este é um problema das ruas do Brasil, a cidadania e as instituições.” Ela acredita que para o sistema brasileiro salvar vidas é caro, o que é contraditório. O erro estaria na política pública de velocidade que não condena quem mata ou atropela.

Dilemas sociais

No dia 25 de junho, na Rua Augusta, em São Paulo, cinco skatistas foram atropelados quando o motorista José Ferreira entrou acelerando sua Ford EcoSport na rua interditada para a realização do Dia Mundial do Skate. O motorista disse às autoridades que teve medo de ser linchado após os skatistas quebrarem vidros do veículo e, por isso, fugiu atropelando instintivamente.

José não é um caso isolado. Em 2011, o bancário Ricardo Neis atropelou 17 ciclistas num evento em Porto Alegre. A justificativa foi a mesma: pânico e medo de agressões. Neis foi condenado a 12 anos de prisão por tentativas de homicídio, mas ainda está em liberdade.

Os atropelamentos em massa comprovam que a sociedade está longe de punir os culpados. Para André Soares, presidente da União dos Ciclistas do Brasil, há muito crime disfarçado de acidente e as punições são sempre brandas. “Se uma pessoa estourou o pneu, perdeu o controle e atropelou alguém, é um acidente. Mas excesso de velocidade, dirigir bêbado, falando no celular, ou dar uma ‘fina’ em alguém é negligência.”

Especialista em mobilidade urbana, Lincoln Paiva defende que a obrigação do Poder Público é se antecipar aos atropelamentos e não apenas reagir a eles. Ele afirma que não existe direito à cidade nem uma cultura sustentável destinada a pedestres e ciclistas “Nessa hora devemos pensar em proteger também a vida dos outros”, diz.

Entretanto, o Brasil ainda carece de planos educativos contínuos sobre o respeito e a proteção aos vulneráveis no trânsito. Enquanto isso não acontece de forma efetiva, cabe a cada cidadão a consciência da responsabilidade que possui e o respeito ao próximo. Pense nisso.

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Colaborador

Por Katherine Rivas / Fotos: Fotolia