Vale tudo para adiar o envelhecimento?

O medo de envelhecer tem feito muitas pessoas esticarem a pele mais do que podem. Até que ponto a luta contra essa fase inevitável importa?

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Por meio de um aplicativo de celular que deixa a cabeça dos usuários com cabelos brancos e a pele enrugada, uma avalanche de imagens anda pipocando nas redes sociais. Mas, ao mesmo tempo que nas telas as pessoas têm a noção do envelhecimento, ao se olharem no espelho muitas se fazem duras críticas.

A palavra envelhecer incomoda muitos. Tanto que cada vez mais cremes e procedimentos estéticos são produzidos e usados para amenizar as linhas de expressão e do tempo. De acordo com dados da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), nos últimos dez anos, o número de procedimentos entre jovens de 13 a 18 anos aumentou 141%. Aproximadamente 1,5 milhão de plásticas foram feitas em 2016 no País, sendo que cerca de 97 mil (6,6%) por pacientes de até 18 anos. Vale lembrar que o Brasil é considerado uma superpotência em cirurgias plásticas, ficando à frente de Japão e México e atrás apenas dos Estados Unidos.

BRIGA CONTRA O ESPELHO
A assistente de loja Rachel Evans, conhecida como a Barbie humana, de 48 anos, faz da melodia criada para a boneca, que diz que “a vida no plástico é fantástica”, um mantra. Ela já desembolsou cerca de 28 mil libras (cerca R$ 132 mil) para pagamento de 150 cirurgias plásticas nos últimos 13 anos. Atraída pela aparência jovem da Barbie, já experimentou de tudo, como botox, preenchimentos labiais e retoques na bochecha. Com isso, a britânica acredita que está “envelhecendo ao contrário” e que vai ser “a prova de que os 50 são os novos 30.”

O temor de envelhecer da atriz e cantora Cher, de 73 anos, lembra que Rachel não está só. Ela chegou a declarar ao programa norte-americano The Today Show: “simplesmente não sei como aceitar isso. Na realidade não quero aceitar, porque não saberia como fazê-lo. Me olho no espelho e vejo uma senhora velha. Não tenho nem ideia de onde ela saiu. Se tivesse que colocar 70 velas no meu bolo, eu explodiria”. Ela nunca escondeu que fez intervenções estéticas: “sim, estiquei o rosto, mas quem não fez isso? Isso me fez virar uma garota-propaganda da cirurgia plástica”.

ENVELHECIMENTO
O doutor Luiz Gameiro, assessor do Departamento de Dermatologia Geriátrica da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), observa que a preocupação de não envelhecer ou de rejuvenescer é antiga. Ele cita a pintura A Fonte da Juventude, de Lucas Cranach, datada do século 16, como prova de que as pessoas há muito tempo sonham passar por uma fonte que as tornem jovens, com a pele com colágeno preservado, esticada e demonstrando saúde perfeita.

Ele explica que a fase do envelhecimento está ligada a fatores intrínsecos, como a cronologia do corpo e a genética; e extrínsecos, como exposição ao sol, cigarro e poluição, que, segundo ele, envelhecem a pele de uma forma até muito mais intensa. No entanto, o dermatologista cita que um fator moderno também tem despertado as pessoas quanto às marcas deixadas pelo tempo: a exposição digital.

“As pessoas estão se vendo com frequência nas redes sociais e se olhando nas fotos. Com isso, notam cada vez mais pequenos sinais que fazem parte de envelhecimento natural. Contudo, se a preocupação for exagerada, ela pode levar a procedimentos desnecessários e que resultam até em sequelas.”

O médico opina que “é uma pena que as pessoas se preocupem tanto com a aparência a ponto de se submeterem a procedimentos exagerados e repetitivos que acabam deformando sua fisionomia”. E aproveita para fazer um alerta: “o envelhecimento pode ser atenuado, mas com cautela, porque o exagero é arriscado.”

Valmari Aranha, psicóloga e diretora da Sociedade Brasileira de Gerontologia e Geriatria, reforça que não saber lidar com o envelhecimento é um grande problema. “É diferente fazer algo que atenue e algo que transforme, querer ser a melhor versão de si mesma e mudar a aparência completamente. O que preocupa é a perda do controle, quando se gasta mais do que a condição financeira permite ou quando há interferência na saúde.”

QUANTOS ANOS VOCÊ TEM?
Constantemente, somos alertados para não nos compararmos com os outros. No entanto, nós mesmos nos comparamos com a pessoa que éramos na juventude, diz a colunista Nubia Siqueira. Ela destaca que “a sociedade propaga que envelhecer é sinônimo de rugas, dependência, perdas, esquecimentos”. E lembra que pouco se fala do aspecto positivo dessa fase: “os anos trazem maturidade, experiências e menos chances de errar.” Ela ainda observa que “se para o corpo existe a contagem dos anos, para a alma não há idade.”

É esse o pensamento que a micropigmentadora e lash design Rosi Martinez tem hoje. “Fiz muitas coisas em prol da beleza: cirurgia plástica, lipoaspiração e botox. Passava três, quatro horas na academia de segunda a sexta, além do tempo no cabeleireiro.”

Ela relata como mudou seu pensamento: “minha ficha caiu quando veio a falência do meu marido e eu tive que cortar tudo. Foi na época que fui à Universal. Foi como se um véu se rasgasse. Quando recebemos Deus dentro de nós, enxergamos o quão frágil é o exterior. Não é que não devemos nos cuidar, mas eu estava sendo ridícula por ficar em busca de algo que somente por um tempo ficava bem. O inevitável virá para todos que tiverem a chance de envelhecer.”

Hoje o maior investimento dela é em algo que não se pode ver. “Mantenho a minha alma sã e não meu corpo sarado. As pessoas estão muito preocupadas em manter seus corpos maravilhosos e não se dão conta de que se buscarem realmente a Deus na eternidade terão um corpo incorruptível, glorificado e imortal. Isso é que é incrível”, assegura.

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Colaborador

Flavia Francellino / Fotos: Reprodução