O que você pode fazer pela segurança pública do País

Os números assustam e a situação nunca foi tão grave em algumas localidades do País, mas o período eleitoral pelo qual passamos é a oportunidade de repensarmos – povo e políticos, juntos – no que todos podemos fazer para uma existência mais pacífica e próspera

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Acho que um sistema público de vigilância de câmeras que realmente tivesse um acompanhamento ajudaria, pois muitos lugares até possuem câmeras, mas parece que ninguém vê as imagens delas. Com mais informações, as ações seriam mais rápidas.
José Wilson Martins, de 55 anos, Jacareí (SP)

Vivemos em um país que não pode ser considerado pobre. Pagamos uma das maiores cargas de impostos do mundo. Temos uma imensidão de riquezas naturais, mas não temos algo bem simples: a tranquilidade para trabalhar, estudar, descansar e ter lazer, pois quase sempre estamos com medo de assaltos, roubos, golpes, da violência doméstica, etc.
Que pais ficam em absoluta paz enquanto os filhos não chegam da escola, da faculdade ou do lazer? Quantas mulheres podem ficar tranquilas no transporte público sem o receio de assédio ou até de algo pior? Sem falar nas que não estão seguras nem em casa, com os companheiros. Quem nunca se sentiu triste por não poder deixar que um filho brinque no parquinho de uma praça do bairro com medo de traficantes ou de alguém que possa abusar dele?
O curioso é que, não faz muito tempo, a violência parecia ser quase exclusividade de grandes centros como o Rio de Janeiro – sempre citado nas estatísticas negativas, sem mostrarem as positivas – e São Paulo. Mas, infelizmente, a violência não tem poupado nem mesmo cidades pequenas e antes pacatas e deixa moradores e policiais sem ação.
Sentir que o governo e a polícia trabalham juntos nos dá mais segurança. Uma vez fui assaltada na saída do banco. Na delegacia fui bem atendida pelos policiais, me acalmaram e me ouviram. Mas seria bom ter mais polícia na rua, inclusive nos fins de semana, quando parece haver menos.
Teresinha de Jesus Silva, de 60 anos, Conceição (PB)

Todos em perigo
É difícil entender de modo geral o que é a falta de segurança pública no Brasil, pois temos diferentes realidades no mesmo país. Apesar disso, todos são reféns da violência. Quem mora na favela vive sob o controle de facções criminosas, mas quem reside em um bairro com melhores condições também não põe o pé na rua sem medo de ser assaltado ou morto por membros dessas mesmas facções.
Isso leva a outro aspecto: culpa-se muito o tráfico de drogas pela violência exagerada em capitais e cidades interioranas, mas e quanto aos compradores e demais usuários? Não é raro que alguém faça uso de maconha mas fique indignado quando vê no noticiário – que explora muito a violência visando audiência – que, num tiroteio entre traficantes, vidas inocentes foram tiradas. Ele quase nunca se sente culpado por isso ao fumar seu “baseado” e tenta se iludir de que é um problema externo, enquanto está diretamente ligado a ele.
O assunto é muito variado e de difícil compreensão mesmo, pois a segurança influencia todos os outros aspectos da sociedade: economia, educação, saúde, habitação e muito mais.
O que cabe a nós é pensar (o que já tem sido feito por alguns) não só nos efeitos da violência de todos os dias, mas em uma ferramenta eficaz para combatê-la: o voto. Não é demagogia, pois um bom governo – e isso inclui a participação constante do povo – é o primeiro passo importantíssimo para que tudo, e não só a segurança, seja eficaz no desenvolvimento de uma nação.
Estado crítico
É claro que a violência sempre existiu na sociedade. No entanto, temos hoje em dia a sensação – que não é falsa – de que nosso país nunca foi tão violento quanto agora. Os índices estão aí e confirmam isso. Chegou-se a ponto de até mesmo as polícias serem insuficientes para conter o crime. No Rio de Janeiro, por exemplo, foi preciso uma intervenção, com a atuação das Forças Armadas.
Um líder eleito deve pensar no povo como pensa na própria família, pois a violência hoje pode atingir ricos, pobres,ou seja, qualquer um. Votar melhor ajuda muito, mas os eleitores devem se informar melhor sobre candidatos e propostas sérios.
Agda Cristina Fonseca, de 38 anos, São Paulo

Mas o que muitos não sabem é que esse tipo de ação não foi concebida para ser definitiva. “A intervenção federal não tem a finalidade de resolver. Tem a finalidade de colocar um parêntese para reorganizar a situação”, diz o sociólogo Julio Jacobo, pesquisador da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) em seu campus carioca, em entrevista concedida à estatal Agência Brasil.
Jacobo diz, entretanto, que as ações não devem focar só nessa intervenção atual. Durante ela, é necessário reorganizar o Estado, a polícia e investir na segurança, para que a segurança pública continue a ser organizada e providenciada após a crise mais grave.
A falha do “cada um por si”
Existem muitos órgãos governamentais para cuidar da segurança pública – como os tribunais, a polícia, o próprio governo – e uns com mais e outros com menos recursos disponíveis. Por que, então, esse aspecto tão importante tem enfrentado uma crise, já que tem essas instituições à sua disposição? Pode ser por uma grave falta de comunicação entre eles, que poderiam atuar de forma mais unificada.
Quem nunca ouviu falar de conflitos entre Polícias Militar e Civil, por exemplo, quando uma deveria agir em conjunto com a outra, já que a primeira age no patrulhamento e na detenção, enquanto a outra dá os devidos encaminhamentos jurídicos (perícia, investigação, etc., após o crime), ou seja, complementam-se em prol da justiça? Esses conflitos vão mais longe.
Renato Sérgio de Lima é diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), uma prestigiada e reconhecida entidade que reúne dados e estuda as melhores formas de promover a segurança de nosso país. Ele, que também é professor no Departamento de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo, considerou que “há uma série de ruídos muito mal encaminhados entre Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como entre Polícias Civil e Militar e Ministério Público” e, além disso, “há confusão de papéis entre União, Distrito Federal, Estados e municípios na área”.
Se os governantes só fizessem os recursos que já existem funcionarem melhor, já ajudaria demais a segurança. Vemos policiais nas avenidas principais, por exemplo, mas em ruas próximas nem sinal deles. Os criminosos também sabem disso e se aproveitam.
Mariana Carvalho,
de 20 anos, São Paulo

De nada adianta os órgãos que promovem a Justiça e protegem a população trabalharem muito, o que já fazem, se não for com a devida coordenação, integração e articulação. Para o professor Renato, essa falta de integração entre essas forças indispensáveis para a população faz com que “o cenário do crime e da violência tenda a se agravar ainda mais”.
Sim, os recursos estão à disposição, mas é necessária a boa vontade política que gere a integração entre essas partes, num “processo participativo de construção, seja dos vários órgãos e instituições públicas, seja da sociedade civil”. E quem é a sociedade civil? Somos nós. Todos nós, trabalhando nessas instituições ou não.
Cabe a pergunta: algum candidato a um cargo político que fala em melhorar a segurança já citou algo sobre melhorar a estrutura que já temos e em criar novas instituições? Estamos em época de campanha eleitoral, é a hora certa de prestar atenção ao que eles dizem quanto a suas intenções – e se têm condição de cumpri-las – para a redução dos homicídios, modernização do sistema penitenciário, combate ao tráfico de drogas e outras alternativas para que nosso país não seja mais comparado a um triste cenário de guerra com quase 70 mil mortes violentas todo ano.
Quadro preocupante
No ano passado, um dado vergonhoso ganhou as manchetes mundiais: em 2016, ocorreram no Brasil 62,5 mil homicídios, segundo informações do Ministério da Saúde. Isso dava uma média de 30,3 mortes para cada 100 mil habitantes. Claro, é um número assustador, mas piora mais ainda saber que isso equivale a 30 vezes a taxa anual de homicídios de toda a Europa. Faz sentido um único país ter 30 vezes mais mortes violentas do que um continente inteiro?
Segundo mostra o Atlas da Violência 2018, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a situação é mais grave nos Estados do Norte e do Nordeste do País, sendo que, em todo o Brasil, esses assassinatos somam 56,5% das mortes de jovens entre 15 e 19 anos, o futuro dessa nação.
Há outros dados que assustam ainda mais e, lamentavelmente, nos mostram a realidade. Veja nos quadros abaixo.

O problema da polícia e de toda a sociedade*
O maior problema que nós policiais sofremos é a desvalorização social. Os policiais doam sua vida em prol da sociedade e não recebem nenhum tipo de retribuição. E é assim com qualquer polícia: militar, civil, federal, rodoviária. Há também o desvalor interno: o problema estrutural da corporação, como é mal aproveitada e mal conduzida.
Outra desvalorização é o foco demasiado de muitas mídias, nos casos negativos da polícia, à má conduta de um policial, por exemplo – que não é a de todos. Ele também é cidadão e não está livre de cometer erros. Isso reflete na corporação. Repórteres não costumam destacar com a mesma evidência o que os policiais fazem de positivo, o que poderia ajudar muito a valorizá-los.
Dizem que o baixo salário de um policial contribui para que ele se corrompa. Nem sempre. Se salário baixo fosse justificativa, um senador não se corromperia nem um delegado. Eu consideraria mais um desvio de caráter, até porque muitos que ganham mal não se corrompem.
O baixo salário unido ao risco que o policial corre e à facilidade de corrupção é que são preocupantes. Se acompanharmos os processos contra policiais acusados de corrupção, ela sempre começa com um terceiro que cometeu um erro: não pagou certo imposto, seu carro não tem a devida documentação e, para se livrar, oferece a corrupção ao policial que, fragilizado por todos os motivos unidos citados, entra nessa questão. Muitos na sociedade o acusam de corrupção, mas é quase sempre um corrupto acusando outro. Os problemas sociais simplesmente se refletem dentro da corporação, mas não são exclusivos dela.
É preciso uma política interna nos governos para a valorização das corporações policiais. Investir melhor em equipamento, salário, cursos, divulgação de todas as ocorrências policiais positivas nas mídias e não só o que houve de errado. Isso teria um reflexo muito positivo para todos, dentro e fora da polícia.
A segurança pública afeta todos os aspectos sociais. A economia, por exemplo. Ninguém abre uma loja renomada em uma comunidade em que o crime acontece a torto e a direito. E a população local perde a chance de ter uma boa loja que gere empregos, forneça bons produtos, gere impostos. Ou seja, a segurança é necessária até para o crescimento financeiro da sociedade.
O eleitor deve analisar se um pretendente a um cargo político tem propostas não só para a segurança, mas para todas as áreas. Num debate, por exemplo, um candidato está lá para mostrar suas propostas, mas quando não as tem ou elas não são boas gasta seu tempo em acusar outro candidato até em questões pessoais, o que desvia a atenção do espectador.
Depois da eleição também há trabalho a ser feito. A maior parte da população não acompanha as ações dos políticos. Temos que fazer nosso papel de cidadão nesse sentido. Com um simples celular podemos ver as campanhas e as gestões, pois as informações hoje em dia são públicas. É preciso usar de forma inteligente recursos como redes sociais, Diários Oficiais e tudo mais.
*Por motivo de segurança e a pedido do entrevistado, sua identidade não foi revelada
Na cadeia: criminosa ou cidadã?*
Participei de um assalto em que acabei esfaqueando as vítimas – que não morreram, graças a Deus. Fiquei detida por dois anos, em três prisões: duas em regime fechado e uma em semiaberto.
Na prisão, você entra como um “ladrão de mercadinho’ e pode sair como um grande assaltante de banco, porque lá é mesmo uma “escola do crime”, como dizem. Para sobreviver lá dentro, tem que aprender o que eles ensinam. Com o tempo eu já tinha até planos para quando saísse: servir de isca para caminhoneiros para que eles parassem e fossem assaltados. Já tinha contato com pessoas aqui fora.
Eu pensava em “evoluir” no mundo do crime. Quando você conhece a cadeia de verdade, perde o medo dela. Se não existir um programa de ressocialização dos detentos ainda lá dentro, continuará existindo o “programa” do crime para alguém sair de lá mais criminoso ainda.
Só que, graças a Deus, desisti do crime. Em uma prisão em que estive não havia nada para a nossa ressocialização. Já na segunda, havia cursos e até trabalho e eu passei a receber um dinheirinho, que me ajudava demais. Sem isso, é difícil. Você sabe o que é ficar fedendo por não ter um simples pedacinho de sabonete para tomar um banho decente? Ficar sem papel higiênico?
A atuação dos agentes penitenciários tem dois lados. É como se policial e preso tivessem que, obrigatoriamente, ser inimigos – e não têm. Alguns fazem o possível e o impossível para nos destruir: humilham, acabam conosco psicologicamente. Só que alguém que está preso já está pagando pelo que cometeu e não precisa ser maltratado.
Concordo que presídio não é spa, o detento está ali para pagar por um erro e tem que pagar mesmo. Mas só por nos tratarem com respeito, mesmo que seja só por profissionalismo, de um jeito mais humano, o efeito não tem preço.
Assim, nos respeitamos também, vamos querer ser alguém melhor, servir para coisas boas, estudar, aprender. Algumas penitenciárias, inclusive, têm até escola, oferecem cursos e eu aproveitei isso. Muitas prisões dão boas-vindas para iniciativas de igrejas lá dentro, que abrem os olhos do detento sobre o caminho espiritual errado que seguem e o levaram ao crime. Foi justamente isso que me “acordou” para que eu quisesse ter uma vida de verdade e aí comecei a correr atrás e ser uma cidadã.
Acredito que a mudança começa com iniciativas que possibilitem a recolocação num emprego, por exemplo, ou ofereçam cursos para isso. Conforme saímos da cadeia com a experiência de um curso, podemos ensinar a outros ex-detentos aqui fora. Tanto quem ensina como quem aprende se sentem bem e querem mudar de vida. Quero ver se algum candidato nessas eleições pensou nisso, em vez de só pensar nele mesmo, e se ele merece nosso voto.
*Por motivo de segurança e a pedido do entrevistado, sua identidade não foi revelada

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Colaborador

Marcelo Rangel / Fotos: Demetrio Koch e AGIF/FOLHAPRESS