Quais barreiras impedem a educação de avançar?

Falta de vagas, baixa qualidade, infraestrutura ruim, desvalorização de professores e currículos defasados para o século 21 ainda são desafios do sistema educacional do Brasil. Você sabe como podemos mudar esse cenário?

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Como você avalia o nível da educação que recebeu? Não sabe responder? Então faça uma análise rápida: você compreende todo tipo de texto que lê? O tempo que passou na escola foi suficiente para dominar matemática? Você sabe como os fatos do passado afetam o seu dia a dia? Você fala outra língua? É capaz de analisar ideias diferentes e tirar suas próprias conclusões? Última questão: você conhece a história política e o sistema eleitoral do Brasil? Se respondeu sim a todas essas perguntas, saiba que você é uma pessoa privilegiada. Isso porque, infelizmente, a educação do Brasil ainda tem sérios problemas.
O perfil dos eleitores do País dá algumas pistas sobre esse cenário. A maior parte do eleitorado não terminou o ensino fundamental e essas pessoas somam 38 milhões do total de 147,3 milhões de brasileiros que vão às urnas neste ano, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). De cada dez eleitores, sete completaram no máximo o ensino médio e só um fez faculdade.
Que diferença isso faz?
Por que você deveria se preocupar com a educação brasileira? Em primeiro lugar, a educação é quesito fundamental para o desenvolvimento de um país, ao lado de renda e saúde, segundo critérios da Organização das Nações Unidas (ONU). Além disso, pessoas com boa educação fazem escolhas melhores e não são facilmente enganadas. E tem mais: um trabalhador com ensino superior completo recebe em média 5,7 vezes o rendimento de um brasileiro com até um ano de estudo, segundo pesquisa feita pelo pesquisador Sergio Firpo, professor do Insper. Gostou? Então saiba que para melhorar o sistema educacional é preciso que o País, os Estados e os municípios tenham boas políticas públicas para a área. Por esse motivo você deve dar atenção ao tema e escolher bem os candidatos nas eleições deste ano.

Mudança
Gabriela Pinheiro Vieira, de 29 anos (foto a esq.), garante que a educação mudou sua vida. Filha de um taxista que só concluiu o ensino fundamental e de uma costureira que não terminou o ensino médio, a jovem se formou em farmácia e fez especialização. “Meus pais não têm formação. Com os estudos, eu pude realmente melhorar meu padrão de vida, ajudar meus pais, fui transformada como pessoa e como profissional”, diz ela, que é de São Luís, no Maranhão.
Gabriela cursou o ensino básico em escola pública. “Sempre gostei de estudar e meus pais me incentivavam. As atividades culturais da escola complementaram minha formação, foram proveitosas.”
Ela fez faculdade em uma instituição particular. Sua trajetória foi difícil. “Eu trabalhava de manhã e à tarde e fazia faculdade à noite. Meu pai também ajudou a pagar os estudos”, detalha. Para a jovem, a educação pode abrir muitas portas. “Espero que os candidatos invistam em políticas públicas para dar oportunidades principalmente às famílias humildes, que não podem custear materiais e transportes”, opina Gabriela, que se prepara para fazer mais uma especialização e sonha concluir um mestrado.

Da pública para a particular
O estudante de engenharia da computação Lucas Chaves, de 23 anos (foto a dir.), acredita que a educação é muito importante para mudar o País. O jovem de Manaus, no Amazonas, cursou os ensinos fundamental e médio em escolas públicas.
“Quando fazia o ensino médio, às vezes faltava professor e a escola levava até dois meses para contratar um”, lembra ele, que também sentia falta de uma boa biblioteca e de uma quadra para praticar esportes. “Hoje estou cursando engenharia com bolsa do ProUni, gosto muito da faculdade, estou tendo oportunidade de fazer cursos externos”, diz ele, que está no oitavo semestre e busca um estágio na área.
Custo alto
Larissa Nicole Almeida de Miranda (foto a esq.), de Macapá, no Amapá, estudou em escola pública até o quinto ano do ensino fundamental. Em busca de uma educação melhor, a avó dela a matriculou em uma instituição particular. “Entrei na escola particular no sexto ano, tinha 11 anos. Lembro que todos os alunos de lá liam perfeitamente, mas eu ainda gaguejava”, conta. A jovem começou a cursar enfermagem em uma universidade particular, mas trancou o curso. “O valor é muito alto. Estou pensando em fazer medicina no Paraguai”, esclarece ela, que tem 20 anos.

Da particular para a pública
Júlia Fragoso, de 20 anos (foto a dir.), fez todo o ensino fundamental e médio em uma instituição particular de Maceió, Alagoas. “Meus pais se esforçaram muito para que eu não fosse para a escola pública porque a situação é de decadência”, diz. No fim do ensino médio, a jovem se preparou para o vestibular em um cursinho particular. O ensino que recebeu trouxe resultados positivos. Hoje, Júlia estuda ciências contábeis na Universidade Federal de Alagoas. “Estou gostando muito da universidade, existem excelentes professores”, avalia. Para Júlia, os candidatos às eleições deste ano devem tratar a educação como investimento, não como custo. “O País tem muitos desempregados, as pessoas estão perdidas, acho que a educação pode mudar isso”, sugere.

Mais escolas
Lucas Santos Appolinário, de 16 anos (foto a esq.), estudou até os 14 anos em uma escola pública de um bairro periférico em Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo. Depois de ser aprovado em um teste, o jovem conseguiu vaga em uma instituição pública de ensino técnico, onde cursa o ensino médio com um técnico em administração. “Na escola estadual toda semana tinha aula vaga, não tinha laboratório, tinha muita briga. Na Etec (escola técnica estadual) é diferente. Tem infraestrutura, laboratórios, não falta professor”, diz. A mãe dele, Elisangela Appolinário, de 37 anos (foto a esq.), também notou a diferença. “Antes ele tinha aula vaga toda semana, agora a educação é ótima. Minha filha de 10 anos ainda está em uma escola ruim, não vejo a hora de melhorar minha situação para colocá-la em escola particular”, diz.
Lucas vai votar pela primeira vez neste ano e vai escolher aquele candidato que estiver em sintonia com as seguintes necessidades: “os eleitos poderiam dar mais atenção aos alunos de escolas estaduais e construir mais escolas do que presídios. Deveria existir mais cursos técnicos em período integral, pois muitos jovens ficam na rua o dia inteiro sem fazer nada”, conclui.

É possível
Filha de uma empregada doméstica e de um metalúrgico, a engenheira civil paulistana Beatriz Leoncio da Silva, de 23 anos (foto a dir.), de São Paulo, conta que a educação trouxe melhorias em sua vida. Ela cursou todo o ensino básico em escolas públicas. “Fiz o ensino fundamental no CEU (centro educacional unificado) e tive muito acesso à cultura e incentivo à prática de esportes, isso foi importante para o meu desenvolvimento”, relembra. Depois, ela entrou em uma escola técnica estadual. “Fiz curso técnico em edificações, o que ajudou na escolha da minha profissão”, afirma.
No ensino superior, ela conseguiu uma bolsa para cursar uma boa faculdade particular. “Consegui uma bolsa do ProUni. No início tive um pouco de dificuldade, mas em um semestre fui escolhida como monitora para ajudar outros alunos”, conta.
A jovem tem opinião formada sobre o que é uma educação de qualidade. “A educação tem que ir além do tradicional.
O aluno deve ter uma visão de fora da sala, ter teatro, cultura, biblioteca, leitura, esportes. Os professores devem ser valorizados e a infraestrutura precisa ser melhor, às vezes as salas de aula no Brasil não têm nada além de uma lousa”, analisa.
Situação atual
O Brasil tem 11,8 milhões de analfabetos, o que representa 7,2% da população de 15 anos ou mais de idade, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A maioria tem mais de 60 anos e vive no interior, um indício de que há algumas décadas as oportunidades de educação eram bem menores do que hoje. Nem os brasileiros que estão na escola escapam de figurar nas estatísticas ruins. Mais da metade das crianças do terceiro ano do ensino fundamental tem dificuldade para interpretar texto e fazer contas, segundo a Avaliação Nacional de Alfabetização.
No fim do ensino médio, só sete em cada 100 estudantes atingem níveis satisfatórios de matemática, segundo o movimento Todos pela Educação. E ainda existem cerca de 2,5 milhões de crianças e jovens de quatro a 17 anos fora da escola. “A defasagem no aprendizado começa desde cedo, no ensino fundamental, e vai se perpetuando em outras etapas”, avalia Vanessa Souto, do Todos pela Educação.
A professora Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (Ceipe-FGV), lembra que o Brasil avançou muito no número de vagas nas últimas décadas, mas isso ainda não significa educação de qualidade.
Segundo ela, os problemas na educação são complexos e envolvem falta de vagas, baixa qualidade no ensino, desvalorização de professores e conteúdos pouco atrativos. Para Claudia, é preciso agir em diversas frentes, começando pelo ensino dos pequenos e pelo investimento em escolas de tempo integral nos bairros e regiões mais pobres. “Faltam vagas no ensino infantil. A pré-escola deve ter espaço ao ar livre para a criança brincar e pegar sol, turmas menores e brinquedos pedagógicos. Os jovens também passam pouco tempo na escola, a carga horária é pequena, falta valorização e preparo de professores”, afirma. “Se nós quisermos evitar a transmissão da pobreza entre gerações, é muito importante que a mãe conclua o ensino médio, o que ainda não estamos conseguindo fazer”, finaliza Claudia.

Escolas hoje
Leonice da Silva, de 49 anos (foto a esq.), é professora de educação infantil da rede municipal em um bairro no extremo sul da cidade de São Paulo e atua com crianças de um a cinco anos. Ela revela alguns desafios do trabalho. “A participação dos pais na escola é muito importante para o desenvolvimento das crianças. Alguns são preocupados com a educação, mas outros ainda estão despreparados.” Ela lembra que os problemas na educação são diversos e as soluções, também. “A escola na qual trabalho está na periferia e aqui as necessidades são diferentes de outros bairros, isso deve ser levado em conta no Brasil”, diz.
Formado em História e estudante de pedagogia, Fernando Alves de Abreu, de 31 anos (foto a dir.), é professor nos ensinos fundamental e médio em uma escola particular de São Paulo. Para ele, o Brasil ainda não reconhece o verdadeiro valor da educação.

“Falta uma cultura escolar no País, nós temos um fracasso das políticas públicas educacionais a ponto de as pessoas acreditarem que a escola não serve para nada. Alguns acham que é depósito de alunos. É bem diferente de nações com alto Índice de Desenvolvimento Humano, como Suíça e Dinamarca, pois nesses países a educação está em primeiro lugar”, diz.
Ele lembra que a escola tem o importante papel de contribuir para a formação de cidadãos. “Mostramos aos alunos como os temas discutidos em disciplinas como história e sociologia, por exemplo, interferem na vida deles”, afirma.
Além disso, Fernando destaca que há outro ponto fundamental: “quando a família está presente na escola, o desempenho do aluno é bem melhor”, finaliza.

A doutora em educação e pesquisadora Leunice Martins de Oliveira (foto a esq.), que é docente no ensino superior na PUC do Rio Grande do Sul, concorda com Fernando. “A formação do ser humano do ponto de vista ético e crítico é necessária para compreendermos melhor a sociedade em que vivemos. As pessoas precisam ser capazes de produzir conhecimentos que as ajudem a se transformar e a mudar a sociedade”, opina. Leunice acrescenta que a educação é fundamental em épocas de transformações como as que estamos vivendo. “Existem novas formas de trabalho sendo gestadas, as demandas são maiores e precisamos oportunizar condições para que as pessoas possam ser capazes de acompanhar as mudanças no século 21. O País também deve ter políticas para atingir as minorias, as pessoas que estão à margem, com o objetivo de reduzir as desigualdades”, conclui.

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Colaborador

Rê Campbell / Fotos: Arquivo Pessoal, Marcelo Alves e Mídia FJU/SP / Arte: Edi Edson