O que acontece depois dos 60 anos?

Com mais de 30 milhões de idosos, o Brasil enfrenta mudanças no perfil da população. Pessoas idosas contam como vivem hoje e especialistas explicam os desafios do País para os próximos anos

Imagem de capa - O que acontece depois dos 60 anos?

Não me sinto velha. Dou aulas de artesanato em vários lugares, tomo ônibus sozinha, viajo para visitar os familiares, limpo minha casa”, conta Maria Eunice Soares de Menezes (foto abaixo). Aos 74 anos, a relações- públicas aposentada diz que não pensa em parar. Durante a semana, ela ministra aulas voluntárias de tricô, crochê e bordado em cinco instituições. Ela também participa de várias atividades e divide seu tempo entre a família e os amigos. “O segredo da terceira idade é não parar. Faço aulas de canto, ginástica, alongamento e vou começar a dançar”, afirma.

A mudança no estilo de vida começou há pouco mais de dez anos, depois que Maria Eunice sofreu três infartos. “Parei de fumar, comecei a fazer exercício e decidi dar aulas para ser útil ao próximo”, esclarece.

Maria Eunice faz parte da população com 60 anos ou mais que cresce de forma rápida no Brasil. Hoje, o País tem 30,2 milhões de pessoas nessa faixa etária. A partir de 2030, a quantidade de idosos vai ultrapassar a de crianças de 0 a 14 anos. A previsão é de que em 2050 as pessoas idosas representem mais de 30% da população do Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em breve, seremos uma nação envelhecida.

Desafios

A mudança no perfil da população traz novos desafios à sociedade, como explica o médico geriatra Daniel Lima Azevedo, secretário-geral da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). “As consequências extrapolam questões relacionadas à saúde. O cenário do envelhecimento mudou de forma acelerada e vamos precisar dar conta de questões fundamentais como saúde, educação e problemas sociais”, pontua.

A expectativa de vida no Brasil já chega a 75,8 anos, sendo que entre as mulheres ela é mais alta, atingindo 79,4 anos, contra 72,2 anos para os homens. Para se ter uma ideia do tamanho dessa transformação, basta olhar para 1940, quando a esperança de vida era de apenas 42,7 anos, segundo o IBGE. No Brasil, uma pessoa é considerada idosa quando chega aos 60 anos. Entretanto, Azevedo diz que o processo de envelhecimento acontece de forma diferente para cada pessoa e não pode ser avaliado apenas pela idade cronológica. “Existem condições próprias do envelhecimento, que são fisiológicas, mas estamos mais preocupados com as repercussões na vida de cada pessoa. O geriatra está treinado para gerir essas condições com dois objetivos: promover a autonomia da pessoa, para que ela tenha capacidade de tomar decisões; e maximizar o potencial para que ela continue independente, realizando as atividades do dia a dia”, detalha.

O médico faz algumas recomendações para que o envelhecimento aconteça de forma mais ativa e saudável. “Eu destaco principalmente o controle de fatores cardiovasculares, hipertensão, colesterol e diabetes. Além disso, é importante a prática de uma atividade física que seja agradável e o cuidado com a alimentação”, sugere. Ele ainda acrescenta outra dica: “um dos grandes segredos da longevidade é ter uma boa rede social, familiares e amigos que proporcionem a sensação de bem-estar e amparo”, finaliza.

O médico geriatra Francisco Souza do Carmo, diretor do Instituto Paulista de Geriatria e Gerontologia (IPGG), reforça que o conceito de funcionalidade será cada vez mais importante com o avanço do envelhecimento da população. “A pedra angular será manter-se funcional e colaborativo. Hoje, o processo de envelhecimento é dinâmico e precisamos preparar as pessoas para que se mantenham ativas por mais tempo, contribuindo com sua experiência e participando da sociedade”, diz.

Além dos cuidados com a saúde, Nilton Guedes, diretor de convivência do IPGG, diz que a sociabilidade é fundamental para um envelhecimento ativo. “Aqui nós oferecemos vários atrativos, como cursos, artesanato, educação física e bailes. No início, algumas pessoas chegavam com depressão e tomavam muitos remédios. Aos poucos, elas começaram a participar das atividades, a encontrar outras pessoas e acabaram reduzindo os remédios. A cada R$ 1 gasto em convivência, é possível economizar até R$ 4 em consultas e medicamentos”, esclarece.

Convívio

A aposentada Noelia Ciriaco, de 67 anos (foto a esq.), diz que a convivência com outras pessoas foi fundamental para que ela recuperasse a disposição. Há cerca de dez anos, ela sofreu um acidente vascular cerebral. Noelia pesava 98 quilos, tinha problemas nos joelhos e usava uma bengala quando começou a participar das atividades do Calebe, grupo da Universal que promove a interação e a valorização da pessoa idosa. “Comecei a fazer aulas de ginástica e no primeiro dia foi tão difícil que derrubei o professor! Mas ele me incentivou a continuar, trouxe uma nutricionista para ajudar na minha alimentação e eu segui tudo direitinho. Com o exercício, recuperei o equilíbrio, parei de cair na rua e larguei a bengala”, comemora ela, que faz parte do grupo há seis anos.

Além de fazer ginástica, Noelia é responsável pela organização do café da manhã que ocorre às quartas-feiras na sede do Calebe no bairro do Brás, em São Paulo. “Aqui eu me sinto muito bem, um compreende o outro, é uma maravilha. Antes, eu era tímida, agora converso com todos, agradeço muito a Deus por essa bênção”, conta.

A educadora física Marisa de Almeida Bispo dos Santos, de 56 anos (foto acima), dá aulas de ginástica e dança no Calebe e conta que a atividade física pode transformar o corpo e a mente da pessoa idosa. “O exercício físico ajuda a combater as dores e a depressão. Nas atividades físicas, nós trabalhamos com a coordenação motora e o equilíbrio para evitar quedas. Também fazemos exercícios para o fortalecimento muscular, pois os músculos protegem os ossos. O corpo é como um carro: se ficar parado, começa a dar problemas”, brinca. Segundo ela, o trabalho do Calebe traz um elemento a mais para as aulas: “aqui nós nos fortalecemos por meio da fé, ela nos impulsiona a fazer tudo a cada dia melhor”, diz.

O Bispo Sérgio Gonçalves (foto a dir.), responsável pelo Calebe em todo o Brasil, esclarece que o grupo surgiu da necessidade de mostrar às pessoas que a velhice pode ser um novo começo. “Ajudamos as pessoas idosas a resgatar a autoestima e valores, como a fé e seus sonhos. Atendemos pessoas que passaram por agressões, sofreram com rejeição, traumas e aquelas que desenvolveram complicações em sua saúde física e emocional ao longo dos anos. Ajudar os idosos a suprir essas carências e desenvolvê-los como cidadãos ativos são alguns dos nossos maiores objetivos”, diz.

Hoje, o grupo oferece auxílio espiritual e atividades como ginástica, esportes, palestras, aulas de informática, artesanato e até assistência jurídica para pessoas a partir dos 50 anos. A inspiração vem de personagens bíblicos como Abraão, Moisés e Calebe, conhecidos por terem desfrutado de uma vida longa e ativa. “O real problema não está na idade e sim na maneira que se enxerga esse momento. A mudança dessa visão resulta numa velhice saudável e em plenitude de vida”, completa Gonçalves.

Professora de artesanato no Calebe do Brás, Ivone Almeida, de 58 anos (foto acima), explica que as aulas de fuxico ajudam a combater a solidão que acomete alguns idosos. “Muitas pessoas chegam tristes e tímidas, mas logo elas começam a fazer fuxicos que viram colchas, almofadas e toalhas. Não há limite de idade para aprender”, diz. “As aulas viram um espaço de cnvivência, de bate-papo e de troca de experiências”, detalha.

Aprender mais

As amigas Irilha Cornacioni, de 72 anos, e Onila Maria Fernandes, de 77 anos (foto a dir.), contam que sempre estão em busca de novos aprendizados. Há algumas semanas, elas começaram a fazer aulas de smartphone. “Atualmente quase todo mundo tem celular. Eu também quis me incluir e comprei um, mas manusear não é fácil. Então, decidi fazer as aulas. Acredito que vamos nos entrosar direitinho, né, telefone?”, diz Onila, em tom de brincadeira, como se estivesse conversando com o celular.

“Precisamos aprender a fazer as coisas para não ficarmos dependentes dos outros. Eu troquei de celular e não sabia mexer neste, toda hora pedia ajuda para alguém, mas algumas pessoas não têm paciência”, conta Irilha. As amigas também fazem aulas de ginástica e pilates, participam de atividades do Calebe e vão ao cinema. “Antes de fazer ginástica, eu tinha câibra e acordava no meio da noite com dor. Agora não tenho mais esse problema, faço até a limpeza de casa”, revela Onila, que tem dois filhos e um neto.

Irilha explica que participar de atividades com outras pessoas a ajudou a espantar a solidão. “Eu ficava em casa, não dormia direito, era ansiosa. Hoje, eu me distraio, é muito bom. Também ajudo a cuidar das filhas da minha sobrinha, uma tem sete anos e a outra, dois”, afirma ela, que é viúva. Apesar das alegrias, as amigas admitem que ainda se deparam com situações de preconceito contra pessoas idosas. “Alguns jovens acham que nunca vão ficar velhos, não respeitam idosos nos ônibus e nos empurram nas ruas”, lamenta Irilha.

Marcos Antonio Rigonatti Pereira, de 73 anos (foto a esq.), também se preocupa em continuar aprendendo. Atualmente, ele frequenta aulas de informática. “Estou fazendo uma reciclagem para aprender a usar e-mail e enviar mensagens para sites. Se não nos atualizarmos, ficaremos no fim da fila”, opina.

Ao longo da vida, Marcos trabalhou como mecânico, panfleteiro, plaqueiro e artesão. Ele também já vendeu sorvetes e coletou latas de alumínio para reciclagem. “Hoje estou aposentado, mas a situação financeira é uma dificuldade nessa fase da vida. Encontrar uma companheira também é”, explica, sem perder o bom humor. Além das aulas, ele diz que procura passar bons momentos ao lado das duas filhas, dos oito netos e dos dois bisnetos. “O segredo é não estacionar”, resume.

Nova mentalidade

O especialista em gerontologia Diego Liguori, de 67 anos (foto abaixo), lembra que o envelhecimento da população requer o desenvolvimento de políticas públicas e um esforço da iniciativa privada. “Precisamos pensar na infraestrutura das cidades, no atendimento à saúde, conversar sobre o envelhecimento nas escolas e pensar em recolocação profissional e inclusão digital. As empresas também terão de passar por uma mudança de mentalidade, pois, daqui a alguns anos, são os idosos que vão trabalhar.”

Diego conta como é a vida após os 60 anos: “ser idoso não é ruim, é uma etapa interessante da vida. Claro, é importante se preparar para essa fase. Logo após a aposentadoria, pode vir a sensação de luto porque a pessoa perde os amigos de trabalho. Mas depois é possível se recuperar e descobrir novas atividades para continuar ativo, melhorar a autoestima e seguir participando da sociedade”, diz ele, que é professor de espanhol da Universidade Aberta à Terceira Idade da USP, pratica natação e também ajuda nos cuidados do neto Felipe, de 1 ano e oito meses. Liguori destaca a importância do diálogo entre pessoas de gerações distintas para a troca de experiências e o preparo para a nova realidade do envelhecimento. “Idosos e jovens precisam se comunicar para quebrar preconceitos. A pessoa idosa ainda tem muito a oferecer para a sociedade”, completa.

imagem do author
Colaborador

Por ?Rê Campbell / Fotos: Fotolia e Marcelo Alves