O motivo de tantas mentiras

É preciso cuidado. A compulsão por mentir pode ser um alerta para transtornos psicológicos ou de problemas espirituais

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Aos 16 anos, Edilson Andrade, hoje com 28 anos, iniciou um percurso que seria bem longo no “mundo da mentira”. O que parecia apenas uma desculpa, dita para que a mãe o deixasse sair de casa com os amigos e ir às festas, virou um mau hábito.

Mentir se tornou algo comum em sua vida e o acompanhou durante 11 anos. “Sentia um certo prazer de mentir porque tinha a certeza de que tudo estava sob controle”, conta.

No trabalho não era diferente. As mentiras surgiam por desencargo de consciência. Sem perceber, ele repetia as mesmas justificativas pelos atrasos e chegou a ser alertado pelos colegas, o que não adiantou nada.

A certeza do problema

Edilson acreditava que, mesmo mentindo para todos, mantinha tudo dentro da normalidade. Até que, em uma manhã de sábado, mais uma vez sem ter noção da gravidade do problema que causaria, decidiu mentir para a ex-esposa. O rapaz foi até a padaria e na volta para casa encontrou alguns amigos, que o convidaram para sair e usar drogas. Aceitou a prroposta, entrou no carro e ficou algumas horas longe de casa. Até que ela, preocupada, entrou em contato com ele. “Minha ex-esposa ligou e eu falei que voltaria em breve, que o carro tinha quebrado. Mas, como já estava um bom tempo fora de casa, inventei que tinha sido preso pela polícia junto com meus amigos”, lembra.

Na verdade, Edilson estava a caminho de uma praia, onde passou o sábado e o domingo. Durante esse tempo, contava mais mentiras à ex-esposa por mensagens de texto e voltou para casa somente na segunda-feira à noite. “Tive um choque de realidade, pois minha família estava desesperada. Foi aí que percebi a consequência de todas as mentiras que contei”, recorda.

A compulsão

Mitômano é o termo utilizado para definir quem tem compulsão por mentir. A mitomania não está catalogada como doença no Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, mas representa um estado de anormalidade. “Todo mundo já mentiu na vida, mas o excesso desse comportamento é considerado uma compulsão. A pessoa chega até a viver na fantasia ou não ter consciência do que fala”, explica Elton Kanomata, psiquiatra do Hospital Israelita Albert Einstein.

Para o psiquiatra, a mentira já faz parte de uma sociedade corrupta que busca lucro e satisfação pessoal de forma insana. Já a mitomania é um sinal de baixa autoestima ou sintoma de algum transtorno de personalidade, como o antissocial, borderline e histriônico. É comum também no Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e na síndrome de Münchausen.

Na infância

A mitomania também pode surgir na infância e adolescência, por meio do Transtorno Opositor Desafiador (crianças hostis e desobedientes) e no Transtorno de Conduta (adolescentes delinquentes e agressivos).

Visão médica

O mitômano é um ser que tem muitos vazios internos. Segundo Elton Kanomata, o momento para procurar ajuda é quando a pessoa se sente impelida a mentir sem pensar nas consequências. São necessários dois questionamentos: você se sente obrigado a sustentar a mentira? Mente por baixa autoestima para diminuir o sofrimento e alimentar o ego? No entanto, o problema é que nem sempre os mitômanos procuram ajuda. “Mesmo desmascarados alguns permanecem na mentira”, revela Kanomata.

O especialista afirma que quando o prazer de mentir chega a estágios avançados pode virar um grande sofrimento para a pessoa e toda a família e, por esse motivo, recomenda procurar, além da ajuda de um especialista, a reinserção social, já que a mentira causa um afastamento. Pode ser com o auxílio de um círculo de apoio, uma vivência espiritual ou com o reforço de um bom ambiente familiar.

Visão espiritual

Claudio Lana, especialista do Tratamento da Cura dos Vícios, acredita que a mentira compulsiva provoca muitos danos ao viciado. Segundo Lana, o vício da mentira também tem uma raiz espiritual que pode ser arrancada por meio da fé. “O mentiroso também pode sofrer de uma cegueira espiritual e demora para reconhecer seu vício. Os familiares precisam entender que por ser algo espiritual não devem ser rígidos, mas se manterem próximos para ajudar”, lembra o especialista.

A mudança

Depois de três relacionamentos amorosos destruídos, sem emprego, perda da convivência com a filha e com sua vida em risco, Edilson procurou ajuda espiritual e voltou a frequentar a Universal, pois já conhecia o trabalho da igreja.

Recuperado há um ano e cinco meses, ele hoje tem uma relação estreita com Deus e com sua mãe. Ele afirma que seu bem maior é ter recuperado a confiança das pessoas. “Viver sem mentir é muito bom, sua palavra passa a ter crédito para a sociedade. É o melhor presente para um homem. No passado eu mentia, mas vejo que era sem necessidade. Atualmente falo a verdade sem me importar o quanto vai doer ou se vai ser inconveniente” diz.

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Colaborador

Por Katherine Ribas / Foto: Demetrio Koch / Arte: Edi Edson sobre foto Fotolia