"Não" a um gesto de paz

Judoca egípcio se recusa a cumprimentar adversário israelense durante competição na Olimpíada. A atitude contraria os ideais do evento e provoca vaias do público

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Uma atitude mesquinha ganhou manchetes em todo o mundo durante os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. No dia 12 de agosto, o judoca egípcio Islam El Shehaby, muçulmano que compete na categoria de lutadores com mais de 100 quilos, negou-se a apertar a mão do adversário, Or Sasson, pelo fato de ele ser israelense. Imediatamente, vaias foram ouvidas por todos os lados da Arena Carioca, onde a luta aconteceu.

O gesto, que segundo o Comitê Olímpico Internacional (COI) vai contra as “regras de boa conduta” e o “espírito de amizade” das olimpíadas, foi considerado “uma vergonha”, de acordo com o porta-voz do COI, o britânico Mark Adams. Ele disse à imprensa que “coisas acontecem no calor do momento, mas são inaceitáveis. Acreditamos que o movimento olímpico deve ser de construir pontes e não de erguer muros”.

El Shehaby declarou em entrevista publicada pelo jornal Egypt Daily News que “apertar a mão do oponente não é uma obrigação prevista nas regras do judô”. Segundo ele, o cumprimento “acontece entre amigos e ele não é meu amigo”. Alegou que não tem problemas “com judeus, qualquer outra religião ou diferentes crenças”, mas justificou que o que motivou o seu ato foram razões pessoais. “Vocês não podem me pedir para apertar a mão de nenhuma pessoa daquele Estado (Israel), especialmente na frente do mundo todo”. O atleta havia sofrido pressões pelas redes sociais em seu país para não aceitar competir com israelenses, pois isso significaria aceitar Israel como Estado legítimo e “uma vergonha para o Islã”. O Egito foi o primeiro país a assinar um ato de paz com Israel em 1979, mas a trégua não é bem-vista por parte da população dos dois lados.

Vergonha

Entretanto, usuários de internet de ambos os países também reprovaram a atitude antiesportiva de El Shehaby. Alguns de seus compatriotas chegaram a dizer que seu ato “envergonhou o país”. Judocas do mundo inteiro também escreveram nas redes sociais que o egípcio não foi nobre, tampouco profissional, e que, embora apertar a mão não seja mesmo obrigatório, a reverência de inclinar a cabeça e o tronco em direção ao oponente é, pois significa respeito pelo adversário. O mesmo argumento foi lembrado em um texto do jornal norte-americano Newsday. A rede de notícias Reuters chegou a noticiar que El Shehaby foi mandado pelo COI para casa antecipadamente pelo ocorrido, o que foi negado ao jornal Egypt Independent pela Federação Egípcia de Judô, que alegou que ele voltou normalmente após sua participação nos Jogos do Rio.

O jornal israelense Haaretz citou que houve outra demonstração antissemita em solo carioca: atletas libaneses se negaram a ir à cerimônia de abertura no mesmo ônibus que os israelenses. Não se sabe se foi falta de tato dos organizadores ou uma “boa intenção” que saiu pela culatra de pôr as duas delegações no mesmo veículo. Dois dias depois, a judoca saudita Joud Fahmy desistiu de uma luta para não pegar na seguinte a oponente israelense Gili Cohen e perdeu a chance de ganhar uma medalha. O periódico não deixou de mencionar o ato mais sangrento de todos os Jogos Olímpicos modernos: o massacre de 1972 em Munique, na Alemanha, quando 11 atletas israelenses foram violentamente assassinados por terroristas islâmicos.

O COI analisará a conduta de El Shehaby após os Jogos, embora não tenha havido, de acordo com a entidade, reclamações formais da delegação israelense. Or Sasson diz que a situação não o afetou e que agora só pensa em sua medalha – conquistou uma de bronze, enquanto o egípcio foi para casa de mãos vazias, mas com os ouvidos cheios de vaias e críticas em muitas línguas.

Bons exemplos

O jornal Haaretz também defendeu que os atletas anti-Israel deveriam aprender com alguém que deu um exemplo contrário: o paquistanês muçulmano Aisam-ul-Haq Qureshi, tenista número 1 em seu país durante mais de uma década, em 2002 aceitou ser parceiro do israelense Amir Hadad no torneio internacional de Wimbledon, em Londres, mesmo com muitos de seus compatriotas contrários à iniciativa – incluindo membros da Federação de Tênis do Paquistão, que tentaram bani-lo. O que havia sido uma decisão puramente visando o esporte virou um ideal para Qureshi, que deixou uma mensagem clara: “nem todos os muçulmanos são hostis aos israelenses. Juntos podemos acabar com as diferenças”. O jornalista também paquistanês Kunwar Shahid, autor da matéria do Haaretz, disse que “o mundo islâmico precisa de mais Aisams”. O mesmo jornal também lembrou que nos Jogos Rio 2016 os atletas iemenitas não boicotaram os sauditas – cujo país tem bombardeado o Iêmen em sangrentos conflitos.

Também houve outros exemplos de espírito realmente esportivo e de confraternização nos Jogos Rio 2016. Em uma competição de corrida de 5 mil metros, a atleta neozelandesa Nikki Hamblin caiu e derrubou Abbey D’Agostino, dos Estados Unidos. Abbey se levantou e ia continuar, mas, ao ver a corredora da Nova Zelândia caída, voltou e disse a ela: “De pé! Temos que terminar. São as Olimpíadas!” As duas continuaram, mas Abbey percebeu que se machucara na queda e não conseguia sequer andar. Foi a vez de Nikki deixar a rival apoiar-se nela e foram juntas até a chegada. Os aplausos não foram poucos. Ajudar um concorrente pode acarretar desclassificação, considerando-se as regras profissionais de corrida, mas o COI manteve as duas classificadas.

Por mais que o judoca egípcio El Shehaby tenha suas convicções políticas, ele perdeu uma tremenda oportunidade de agir com sabedoria, como pregam os preceitos do esporte que representa.

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Colaborador

Por Marcelo Rangel / Foto: Reprodução