Turismo de favela: até quando vamos aceitar a exploração da pobreza?

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Se você já esteve no Rio de Janeiro, com certeza foi impactado pelas belezas naturais da cidade. Ela atrai turistas do mundo inteiro, mas, além dos passeios pelas praias, há um tipo de lazer polêmico e passível de questionamento que vem crescendo nos últimos anos: o turismo pelas favelas cariocas. O contraste entre os morros repleto de casas construídas em locais de risco e os prédios luxuosos chama a atenção de quem passa pelos bairros cariocas. Por isso, as comunidades são procuradas por aqueles que querem explorar a vista dos morros, participar de rodas de samba, bailes funk e, sobretudo, observar o dia a dia de quem mora ali.

É comum que a atividade turística vise mostrar todos os elementos históricos e sociais de um local e isso não é negativo. O problema, porém, acontece na forma como esses passeios são executados, tornando-se muitas vezes um espetáculo da pobreza para os visitantes. No Rio de Janeiro, por exemplo, antes da pandemia, era comum encontrar pacotes turísticos para conhecer favelas como a do morro Santa Marta, da Rocinha e do Vidigal, entre outras. Ver gringos e até brasileiros em cima de jipes e caminhonetes, como se estivessem em um safári, era algo comum.

“Tratar as pessoas que vivem nesses locais como personagens exóticos é um absurdo e é uma exploração da pobreza alheia. Em vez de os governos fazerem algo para melhorar a situação das comunidades, incentivam a miséria por meio desse tipo de turismo.” Foi com essas palavras que um carioca que não quis se identificar detalhou como vê esse tipo de “atração”.

Incentivo político
Em 2010, na favela Dona Marta, no Rio de Janeiro, o ex-presidente Lula lançou e incentivou esse tipo de exploração, com o Rio Top Tour. Lula, apesar de dizer que tinha as melhores intenções, só transformou a miséria em atração turística, claramente querendo passar uma imagem aos estrangeiros de que quem vive em condições precárias é feliz. Era como se ele estivesse dizendo “pacifiquei os pobres e os transformei em atração turística”.

Para o sociólogo Thiago Cortês, não há nada que revele mais progressismo do que a predileção consciente pela pobreza. “O psiquiatra Theodore Darymple resumiu em grandes lições a experiência de décadas atendendo na periferia de Londres e, posteriormente, em países subdesenvolvidos. Uma delas é que os políticos progressistas enxergam miseráveis da mesma maneira que traficantes veem viciados: como um nicho de mercado. Quanto mais viciados, mais dependentes do traficante; quanto mais pobres, mais dependentes do Estado.”

Para o especialista, não é surpreendente, embora seja revoltante, que políticos tenham inaugurado no Brasil o turismo de favela. “A finalidade é romantizar o estado de pobreza de pessoas submetidas ao regime de terror da violência, da corrupção e das drogas. Lula é um dos personagens principais da narrativa de romantização da pobreza e dos pobres.”

Esse não é um problema restrito ao Rio de Janeiro. Caminhar pelas ruas de Paraisópolis, a maior favela de São Paulo, também pode ser uma experiência turística. E normalmente são estrangeiros que buscam viver esses momentos. Curiosidade? Desejo de ajudar? Vontade de viver outra realidade? Não dá para saber o que motiva as pessoas a participarem dos passeios, mas uma coisa é certa: locais que são associados à pobreza e à violência, sobretudo, abrigam muita cultura e trabalhadores honestos, que estão ali lutando por um futuro melhor.

Um levantamento da Fundação Getulio Vargas mostrou que a pobreza no Brasil triplicou durante a pandemia. O número de pobres aumentou de 9,5 milhões, em agosto de 2020, para mais de 27 milhões, em fevereiro de 2021. Um dos fatores que contribui para isso é a alta no preço dos alimentos. Enquanto isso, os turistas vêm e vão, em busca de lazer. Hoje estão nos morros tirando fotos; amanhã se cansam e vão procurar entretenimento em outros lugares, como nos zoológicos da África do Sul ou nas pirâmides do Egito. E a realidade das comunidades continua a mesma, repleta de violência e de problemas estruturais que clamam por atenção.

*Ana Carolina Cury é jornalista.

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Redação / Foto: getty images